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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Contribuição: "o feminismo me ajudou a amar minha mãe"

Nota pessoal: uma pessoa que quer se manter anônima, que chamarei de A. para fins práticos, me enviou esse relato. Eu não alterei absolutamente nada no texto dela, nem mesmo um possível erro gramatical que possa aparecer (não vi nenhum). Agradeço à A. pela confiança depositada em mim, e por ter considerado que esse blog é um espaço seguro. Esse relato trata de abuso sexual durante a infância e dos sentimentos, principalmente a culpa, e acho importante acrescentar esse aviso porque embora eu nunca tenha determinado a classificação de qualquer relato, provavelmente a história é considerada "trigger": pode despertar memórias ruins e reprimidas em pessoas que sofreram abuso sexual, por exemplo.

É um relato sensível e corajoso e eu exijo de vocês respeito. Não tolerarei nenhum comentário ofensivo, debochado ou que indique qualquer sentimento não-empático para com A., e sim, eu apagarei tais comentários assim que eu perceber a existência dele. Se A. considerou esse blog um espaço seguro para se expor, então quero que esse blog continue sendo um espaço seguro.

Dados os avisos, segue-se:

Resolvi escrever depois de muito tempo em silêncio o que aconteceu comigo, porque eu não quero que o meu silêncio faça com que mais uma criança sofra o que eu sofri. E que infelizmente eu não posso de formas legais e jurídicas puni-lo, eu espero que algum dia ele saiba o que ele fez e de como eu não o perdoo por nada.

Infelizmente, eu não posso dar certeza absoluta quanto a minha idade, nem a idade dos meus primos. E nem quantas vezes aconteceu. Eu simplesmente perdi a memória disso.

Minha mãe e meu pai precisavam trabalhar e eu não tinha idade para ficar sozinha em casa. Então, o jeito era me deixar com quem pudesse cuidar de mim. Minha mãe me deixava com meus primos. Um tinha a minha idade e o outro era uns 7 anos mais velho, devia ter uns 17 anos.

Eu me lembro de pedir constantemente pra minha mãe não me deixar lá, ela nunca acreditava, achava que eu tava de brincadeira, fazendo show. E eu nunca dizia por quê. Eu sabia que o que acontecia não era certo, mas não entendia. Era tudo uma nuvem espessa na minha cabeça. Hoje com ajuda do feminismo eu entendo que o que aconteceu comigo não foi culpa minha e muito menos da minha mãe ou do meu pai. Eu entendo que a dupla jornada a impedia de cuidar de mim e de proteger. E que ela confiou em uma pessoa para cuidar de mim e essa pessoa abusou de mim. A culpa é toda dela.

Minha memória é muito falha. Eu me lembro de pouca coisa. Na verdade, eu sei que aconteceram inúmeras vezes, mas eu só consigo lembrar um dia. Era de manhã, estava passando um programa da Ana Maria Braga e aparecia um vermezinho de salada na TV. Eu estava no quarto com meu primo mais velho, porque ele me prendia lá – Vou chegar a essa parte mais tarde – e enquanto meu outro primo jogava Playstation 1 na sala. Eu lembro desse fato porque ele disse para eu olhar, enquanto ele estava com as suas mãos sujas dentro de mim. E eu sempre soube que estava tudo errado, mas eu não podia sair. Eu lembro que eu às vezes chamava e chamava meu primo da minha idade para vir brincar comigo, para ficar comigo, para me proteger porque eu sabia que ele não faria nada se eu tivesse com alguém.

E eu só lembro desse dia, minha memória apagou tudo. Eu vivi anos sentindo culpa, me sentindo suja, me sentindo impura, me sentindo puta porque ter deixado alguém fazer isso comigo. Alguém me invadir assim. Eu me lembro de ser muito sozinha e quando eu arranjei umas amigas, eu me sentia muito mal perto delas, eu me senti suja boa parte da minha vida. Eu tive dificuldade de me relacionar com meninos. Eu tinha medo de meninos mais velhos. Eu lembro uma vez que a minha mãe estava comigo no carro e com esse nojento também. E ela teve que me deixar sozinha para abrir o portão para ele entrar com o carro. E eu nunca senti medo na minha vida. Eu constantemente pensava que ele ia abusar de mim ali mesmo, que eu não ia conseguir gritar, que eu ia ser fraca, que eu não ia conseguir. Mas “graças a deus” nada aconteceu.

Eu mantive isso em segredo durante muito tempo. A primeira vez que eu falei foi com a minha melhor amiga. E ela me disse que isso nunca tinha sido culpa minha e que o único culpado de tudo era ele. Hoje eu sei que o único culpado é o machismo e, em segundo lugar, ele.  Eu não posso tirar a culpa dele, mesmo sendo da família. Meus pais confiavam nele e ele abusou de tudo. Minha amiga tentou diversas vezes me convencer de contar tudo para minha família e desmascarar o babaca nojento que ele realmente é. Mas eu bem sei que isso acabaria com meu pai. Eu não posso nem imaginar, me dói demais pensar no sofrimento que eu vou causar ao meu pai. Então, eu decidi contar apenas para minha mãe. E foi aí que pela primeira vez eu pude entender o lado da minha mãe, eu sempre tive raiva dela por me deixar com qualquer pessoa, por me deixar sozinha, por não me proteger, mas hoje eu sei que ela não é culpada. E por isso eu também digo que o feminismo me ajudou a amar minha mãe.


fonte: ModernGirlBlitz

sábado, 24 de agosto de 2013

Cidade das Cinzas: feito para fangirlizar, não para ser o novo Crepúsculo


2013 | USA / Alemanha | Dirigido por Harald Zwart 

Sim, I know, tem assuntos mais sérios para tratarmos. Mas essa foi a semana do meu aniversário e eu acho que mereço posts felizes no meu próprio blog também (\\^o^//). Não que eu queira me justificar, até porque esse blog é meu espaço para postar absolutamente qualquer assunto. Mas eu quero muito acrescentar que por mais que eu ame (e realmente amo) toda essa atenção que meus textos tem recebido e recomendados em diversos portais e tudo o mais, é extremamente desgastante emocionalmente escrevê-los. Porque eu sempre escrevo sobre as mesmas merdas e NUNCA. MUDA. É um eterno dejá vù e, bem, se tá ruim pra mim com meus privilégios, imagina para quem não os tem.

Então, para comemorar meus vinte aninhos, eu assisti o filme Cidade dos Ossos, da série The Mortal Instruments, escrita pela Cassandra Clare. Digamos que li todos os livros dessa série que já foram publicados no Brasil, e também os livros Anjo Mecânico e Princesa Mecânica, também de Cassandra Clare. Eu tenho os três primeiros livros de TMI e eles não estão aqui comigo, mas vou apenas dizer: eu sou fangirl dessa série. É óbvio que tem pontos problemáticos e esquisitos, mas continuo fangirl. Eu também assisti Pacific Rim (Círculo de Fogo) essa semana, mas tenho apenas alguns comentários a fazer sobre esse filme que são:

1) Faltou mulher. Houve duas personagens femininas, uma que mal aparece e a outra com bastante relevância, quase protagonista. Ela teve uma história legal, NÃO É BRANCA (japonesa com duas mechas azuis, super estilosa), um desenvolvimento decente além dos clichês e sobrevive sem estar atrelada ao cara mocinho do filme. Curti ela. Mas ainda queria mais mocinhas <3
2) EFEITOS AWESOME. Gente, vejam no cinema, porque SÉRIO robôs e monstros se matando é realmente algo legal para se ver numa tela imensa. Sério. <3
3) Eu aceito fanarts e fanfics dos dois cientistas do filme, porque estou shippando muito eles. Bj.

Vou logo avisando que eu não sou crítica de cinema, odeio críticas de cinema e não costumo dar o menor valor para as críticas de cinema. Sou parcial e solto spoilers. Muitos spoilers. Spoilers everywhere. Então não leia isso aqui se você não curte spoilers.

Eu gostaria de observar que o filme é feito sob medida para agradar ao seu público-alvo: garotas adolescentes. Então quando baixa uma galera meio que pseudo intelectual todo ESSE FILME É O CLICHÊ DO CLICHÊ FEITO PRA GURIZADA DE CREPÚSCULO, eu queria lembrar que isso não desqualifica o filme. Cidade dos Ossos não foi feito para ganhar Oscar. Cidade dos Ossos foi feito para alimentar as fangirls e fazer sucesso nessa vibe, aka Crepúsculo, Jogos Vorazes, Harry Potter, Percy Jackson, entre outros. E, sim, a história em si recebe uma influência de Harry Potter, por exemplo (ainda mais porque Cassandra Clare era escritora de fanfics de Harry Potter, tendo escrito a célebre série de Draco Veritas), mas isso não deveria ser usado para desqualificar a série.

BUT OS PONTOS QUE EU CONSIDEREI RELEVANTES:
(spoilers começam aqui)

1) WHAT. THE. HELL. VALENTINE.? Quem foi que montou o visual dele? REALLY. As trancinhas aleatórias não ajudaram em sua cara de mau. Aliás, Valentine totalmente não pegou como o vilão da série, nem como o papai fofo, nada, nadinha. 

SEM ESTRUTURA PARA A DIFERENÇA DRÁSTICA DO VALENTINE DO LIVRO PRO FILME
 2) Alec: totalmente não aprovei. Alec é um personagem forte e merece mais do que ser retratado como o "amigo gay que tá de recalque com a mocinha porque ela pega o cara e ele não". Porque foi a impressão que deu e Alec é mais do que isso. Além do fato de que o ator que interpreta Alec tem 28 anos de idade, o personagem tem 17 e a série tem fucking seis livros. A menos que façam todos os filmes em velocidade recorde, então teremos o personagem de 17 anos sendo interpretado por um cara que tem quase quarenta anos. Nada contra, mas NÃO VAI CONVENCER. Já não está convencendo agora, que dirá daqui a alguns anos. Eu realmente fiquei desapontada nesse quesito, porque Alec é um dos personagens que eu mais gosto e eu aprecio bastante seu desenvolvimento, principalmente em relação à própria homossexualidade e seu enorme senso de família.

3) Os atores que fazem Clary e Jace: vocês fizeram certinho. Eu estava com esperanças negativas (really) porque fiquei toda "NO CREO QUE ELES SERÃO CLARY E JACE NO WAY", mas me convenceram. É óbvio que poderia ser diferente e totalmente acho que outros atores poderiam ter feito melhor e tudo o mais, mas eles fizeram o melhor que podiam e fizeram direitinho. Acho que convenceram e, o mais importante, tiveram uma química legal entre eles. Há momentos de canastrice, porque nada é perfeito, mas eu perdôo porque filme para ser fangirl sem canastrice não é nem um filme apropriado para fangirlizar decentemente. Tem que ter alguma coisa risível na atuação ou no cenário ou nos penteados ou no roteiro, é pré-requisito praticamente.

nem sou das que gosta muito do casal, mas ESSE GIF <3
4) MOMENTO QUE AS FEMINISTAS FICAM TENSAS: quando Clary veste as roupas de Isabelle (porque vão para uma festa) e ela mesma faz um slut-shaming com a roupa, dizendo que é "roupa de vadia". Alec a ajuda, comparando-a com uma prostituta. Felizmente aparece Isabelle toda "VOCÊ ESTÁ FALANDO DAS MINHAS ROUPAS!!!" e ela é retratada de forma positiva no filme, como uma guerreira bem ativa, de modo que o que ela diz tem um peso bom. Jace, mocinho da série e etc, diz à Clary que ela está linda. No livro, não lembro como rola, mas é por aí. Isabelle, inicialmente, deixa Clary desconfortável, mas elas vão aprendendo a se respeitarem e a se tornarem aliadas. E o slut-shaming de Alec foi desnecessário, porque ele só disse isso em função dos ciúmes que sente por Jace, considerando que roupa por roupa, são roupas da irmã dele que ele ama e respeita. Porém, fico feliz que nos livros Isabelle seja retratada decentemente como uma guerreira que transa quando quer, se quiser, e usa as roupas que quer. Sua força não é posta em dúvida, e ninguém a desmerece por isso.

5) Simon: ele é o típico personagem nerd que gosta da melhor amiga e não é correspondido, e pior: passou a vida todinha lá amando Clary e ela vai lá e se interessa pelo Jace todo fodão etc. Tem uns momentos mimimi que ele fica super tristinho de "ESTIVE SEMPRE AO SEU LADO" e mimimi "EU ODEIO ELE", etc. Mas, olha, friendzone é babaquice e Simon amadurece. No final do filme, ele está lá dizendo pra Clary que está tudo bem, tudo de boa, etc. Nos livros, ele demora um pouco para superar, mas, olha, SUPERA. E em nenhum momento dos livros, que eu me lembre - pelo menos - ele critica ou julga Clary por ela não se interessar por ele na mesma medida. É óbvio que ele está triste, mas ao longo da saga, ele chora um pouquinho, supera, ajuda Clary quando der e tem o seu próprio plot que é bem decente, por sinal, mesmo sendo um pouco what-the-fuck, na minha opinião.

6) Spoiler do spoiler pra quem nunca leu os três primeiros livros: eu particularmente acho que a série se estragou no momento que Cassandra Clare resolveu colocar o elemento de "PEGADINHA DO MALANDRO, JACE E CLARY NÃO SÃO IRMÃOZINHOS RISOS". Ao meu ver, o plot deles serem irmãos e ainda assim estarem completamente apaixonados um por outro era, tipo, a melhor coisa dessa série. Aí Cassandra Clare foi lá e jogou um balde de água fria na minha pessoa. Apenax: desapontada. Mas você não precisa ler os três livros para saber disso, apenas assistir ao primeiro filme e prestar atenção em absolutamente todas as frases (e foi o que eu nem fiz, só percebi que o cara deu a dica depois). Provavelmente foi para agradar produtores e mimimi, mas acho que: a série virou best-seller sem precisar disso. O filme não precisava disso também. Romance em historinha adolescente é para ter alguns obstáculos e o filme já os eliminou de primeira, só falta os personagens saberem disso. Para gente, não há mais obstáculos, apenas a expectativa de que um dia eles saibam que não são irmãos e "podem" ficar juntos. E expectativa por expectativa... bem, tem outras coisas mais legais de se acompanhar.

"Deixe eles pensarem que são irmãos. Eles irão rir disso um dia"
fonte: um tumblr aí
 7) Essa não é a série mais revolucionária de todos os tempos, mas: parem de acusar a série de plágio de Harry Potter: Cassandra Clare ESCREVIA FANFICS de Harry Potter. É óbvio que a saga recebe zilhões de influências de Harry Potter, assim como qualquer saga de fantasia de adolescente que veio depois que Rowling começou a publicar as aventuras do Trio Dourado. Mas Rowling não inventou o gênero fantástico, não inventou as criaturas fantásticas e nem mesmo inventou a clássica Jornada do Herói. Rowling não inventou a roda, caras. Também não forcem a barra dizendo que The Mortal Instruments parece ser um plágio de Crepúsculo. Stephenie Meyer também não inventou os mocinhos sarcásticos que parecem anjos e suas mocinhas que "não-tem-nenhum-atrativo-mas-omg-atraem-um-cara-muito-gato". As críticas de cinema desqualificarem o filme porque "oh é muito Harry Potter ou Crepúsculo" pressupõe que essas obras sejam originais e seus conceitos idem e apenas: NÃO. Se querem parecer um pouco mais sofisticado, por favor digam que o plot do incesto remete totalmente ao Star War e então todos acharão você um nerd muito inteligente, exceto eu.

8) Tem galera comparando à Dezesseis Luas, mas olha: Dezesseis Luas é 100% uma bosta. Cidade dos Ossos não.

9) Magnus Bane: <3

10) Sim, isso é uma resenha de filme escrita por mim. Para vocês verem o porquê que não posso ser crítica de cinema. Tipo, nunquinha.

No geral, darei três estrelas em cinco. Assim, se você está querendo ver um filme top em efeitos especiais, por favor desvie a rota e assista Pacific Rim. Cidade dos Ossos não tem exatamente os melhores efeitos do mundo e chega a ser um trash em alguns momentos (mas duvido você conseguir juntar um monte de plantas + efeitos especiais + romance sem soar breguíssima pra caramba), mas, olha: VALE A PENA. Se você for uma pessoa que gosta do gênero, obviamente. Se você acha que todos os filmes baseados em livros adolescentes são ruins, novamente: vá assistir Pacific Rim. Ou qualquer outro filme.

Deixem a galera fangirlizar em paz. 

MAGNUS BANE <3


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Para as pessoas com privilégios, com carinho

1º Aviso: esse foi o primeiro texto que tentei fazer inteiramente em linguagem neutra. Não estou certa se consegui.
2º Aviso: eu sei perfeitamente que possuo muitos privilégios também. Esse texto é para mim também.
3º Aviso: todas as imagens são retiradas do tumblr fuckyeahsubversivekawaii, como sempre hahaha. <3  

"Ninguém pediu por sua opinião sexista de merda"
À vocês, queridas pessoas privilegiadas em algum aspecto de suas vidas =^-^=
À vocês, amáveis homens que são brancos e heterossexuais, cisgêneros e de classe média =^-^=
À vocês, adoráveis mulheres brancas, acadêmicas e que "acreditam em Deus" =^-^=
À vocês, belíssimas pessoas que sempre tiveram seus corpos dentro dos padrões =^-^=
À vocês, ternas pessoas que dizem "gostaria de ser surda para não ouvir isso" porque não o são de fato =^-^=
À vocês, todas essas maravilhosas pessoas com privilégios maravilhosos em uma sociedade maravilhosa =^-^=
Segue um recado:

01) Não se atrevam a tentarem definir o que é opressão e o que não é.
02) Não se atrevam a tentarem entender as nossas lutas pela sua régua moral.
03) Não se atrevam a obrigar pessoas a se encaixarem dentro de suas normas estúpidas.
04) Não se atrevam a falar mais alto do que nós nas nossas próprias causas.
05) Não se atrevam a desqualificar os nossos atos de empoderamento individual por quaisquer critério moral que seja.
06) Não se atrevam a considerarem que "está passando dos limites" porque algum ato te ofende.
07) Não se atrevam a ignorar nossas pautas apenas porque está te incomodando.
08) Não se atrevam a ridicularizar nossas causas.
09) Não se atrevam a acharem, por um segundo, que precisamos da sua aprovação para existir.
10) Não se atrevam a pensar que nós permitiremos suas agressões sem uma boa resposta.

Nossa reação pode ou não ser violenta. Nossos atos podem ou não serem agressivos e ofensivos ao status quo. Nossa existência pode ou não ser "discreta". Porém todas essas coisas são decididas por nós, para nós, sobre nós. Você não tem direito ao voto aqui.

Eu me pergunto se vocês estão realmente falando sério quando afirmam que se ofenderam com qualquer reação agressiva nossa, tentando podar nossa raiva e nosso ódio, querendo deslegitimar nossas reinvindicações porque não nos comportamos da maneira que você achou que cabia. Uma surpresa, minhas queridas pessoas: nós sequer nos adequamos nos padrões que vocês consideram adequados, por que nossas práticas seriam consideradas adequadas? Por que a nossa revolta seria padronizada para os seus interesses? Por que precisamos nos preocupar em conquistar a simpatia de vocês se as nossas causas são válidas por si só?

Às vezes as pessoas parecem esquecer que estamos falando de direitos básicos e fundamentais e começam a falar como se estivéssemos em uma negociação de guerra ou algo do gênero. "Ora" vocês nos dizem "você precisa tomar cuidado com essas posturas extremistas para ganhar apoio!" e então vocês olham a gente de cima para baixo e então de baixo para cima, como se pudessem nos avaliar com propriedade. Vocês não tem. A questão é essa: vocês simplesmente não tem aptidão suficiente para tanto. Isso aqui não é uma guerra, é um massacre. Nós não estamos "brigando" em iguais condições, estamos reagindo à opressões milenares. Não existe "exagero na reação" quando direitos estão sendo violados o tempo todo e ninguém faz nada a respeito. Não existe "ser extremisma demais" na libertação.
"SAI DAQUI, SEU CUZÃO" (na minha tradução inteiramente livre ok)
Não se iluda acreditando na sua bondade inerente à quem você é, convencendo a si de que é uma pessoa iluminada que olhará por nós. Esse é o erro que nós, pessoas com algum privilégio, cometemos tão miseravelmente e agredindo tantas pessoas: acreditamos que descer do pedestal é uma tarefa tão árdua que merecemos louros, parabenizações, medalhas de ouro pelo nosso maravilhoso feito. Não merecemos. Descer do pedestal é o mínimo que exigimos de você e atente-se ao exigir, o verbo usado. Não se pede. Se exige seus direitos, se exige igualdade nos direitos perante ao Estado, se adquire libertação perante à sociedade - essa sociedade, que sempre estamos falando dela como uma entidade maligna e suspeita que ninguém quer admitir que faz parte. Eu gostaria de lembrar não apenas à vocês, mas à mim mesma: admitir seus privilégios não te faz uma pessoa perfeita, admitir seus privilégios te faz uma pessoa decente. Todo mundo se sujeita à falhas e incoerências, porém é nosso dever saber recuar quando se deve, pedir desculpas quando se erra, calar-se quando é sábio e falar quando for necessário - que é o tempo todo, basicamente.

Não fale do que não sabe, nobre pessoa com privilégios. Não trate de nossas realidades sem o menor conhecimento ou empatia. Não use a nós como muletas imaginárias dos seus falhos argumentos. Não pense que temos uma assessoria de marketing, porque não somos uma empresa. Não pense que você é indispensável ao movimento, porque não é. Não ache que aprendeu tudo, porque ninguém nunca aprenderá tudo que é possível, especialmente no que se refere aos movimentos sociais e suas classes. Talvez você não goste de todas as negativas em imperativo que eu digo aqui, talvez você se sinta desconfortável, talvez você se incomode. Não pense, contudo, que eu me importo com o seu ego ferido. Eu já disse que você não é indispensável?

É óbvio que desejamos que você nos apóie. É lógico que queremos agregar quantas pessoas ao movimento quanto for possível e ameaçar com a nossa força. Eu nunca expulsaria você de qualquer lugar só por possuir privilégios, mesmo porque todo mundo tem um ou dois privilégios. Mas enquanto o nosso apoio vem também das várias pessoas empáticas ao movimento, a nossa real força sempre vem daquelas que são marginalizadas, discriminadas e ojerizadas. A real força de qualquer movimento nunca vem da gente "simpatizante", gente essa que possui privilégios e empatia o suficiente para saber colocar-se no seu lugar. A força do feminismo não vem na forma dos homens que apoiaram suas esposas e irmãs, mas na forma das mulheres cansadas e oprimidas. A força do movimento racial não surgiu entre as diversas pessoas brancas que concederam em não financiarem mais a escravidão ou algo assim, e sim entre as inúmeras pessoas negras descendentes de escravos, subjugadas e feridas pelo racismo e todas suas consequências. A força da classe oprimida que dá medo. Nós desejaremos que você se alie à nós porque é interessante agregar números, mas não queremos apenas números. Queremos números com propriedade. Queremos que todos os nossos números saibam o que estão fazendo, o que estão defendendo e o papel que devem cumprir nelas.

Saiba disso: nós damos sinceramente todo o nosso apoio à você caso queira se aliar à nós, mas esteja absolutamente ciente de todos os "não" que coloquei aqui. Lembre-se deles. Por que então, você pergunta, você se aliaria sendo que você é dispensável? Por que você resolveria descer do seu pedestal se não ganhará nada com isso? Eu até que entendo seus receios, mas veja bem: o que você ganharia não descendo do seu pedestal? O que você ganharia se mantendo nessa posição de pessoa afundada nos próprios privilégios? O que você ganha com a opressão de outras pessoas? Você tem lucro direto nisso? Você não gostaria de saber que uma única escolha sua pode tornar a vida de outras pessoas mais fáceis e suportáveis? E principalmente: por que você tem que ganhar alguma coisa com descer do pedestal? Não te daremos biscoito na boca por ser decente. Você não pode apenas reconhecer o óbvio em vez de agir tão estupidamente sobre as nossas vidas, até mesmo quando é sem querer?

Eu pensei em dizer "não sinta medo". Mas estaria tão longe do meu objetivo com todos esses textos.
Sinta medo sim.

Há raiva e há amor em todos esses movimentos. E não perdoaremos a quem nos agrediram =^-^=

"Permaneça lutando" <3

domingo, 11 de agosto de 2013

Sororidade 101: sobre feministas brancas, cisgêneras e classe média.

Audre Lorde :)
Sororidade é um conceito muito bonito. Na teoria.
Ele diz respeito basicamente sobre irmandade feminina, para se contrapor ao conceito de camaradagem masculina. Significa mulheres se amarem e se respeitarem, defenderem uma a outra, apoiarem-se nos momentos difíceis e formarem uma união para ficarem mais fortes. É lindo. Não tem nada mais bonito que ver pessoas agredidas se unindo para se defenderem, pessoas vulneráveis aprendendo a se amarem. Mas como todas as coisas bonitas da vida, sempre tem quem transforme o conceito em desculpa para fomentar lixo verbal.

Eu sinto que tenho que ser muito clara a esse respeito para me fazer perfeitamente compreendida, e é basicamente:

sororidade é o caralho.

Tem um diálogo no segundo episódio de Bomb Girls no qual a protagonista, uma moça rica, está com as outras moças (todas pobres) para trabalharem na construção de bombas na II Guerra Mundial. Essa moça rica começou a trabalhar para desafiar sua família e por acreditar em sua pátria. Ela teve uma escolha e, por vontade própria e contra a vontade de sua família, deixou de ser secretária e se aliou às outras garotas para trabalhar na linha de montagem. Ela não precisa daquela profissão para se sustentar. Aquelas outras moças, porém, dependem do emprego para terem o que comer. E então, quando todas estão enfileiradas, a garota rica diz:
"Sou como todas as garotas aqui"
Então sua chefe apenas ergue os olhos e pergunta às outras: "e então? Ela é como todas vocês?"
As outras mulheres não conseguem suprimir o riso.

São todas mulheres, brancas, presumidamente heterossexuais e cisgêneras. Elas reunem diversas características semelhantes. Porém uma era rica e as outras não, e isso não permitiu que elas conseguissem se identificar com a garota rica. Porque a questão da classe marcava-as de forma violenta, porque enquanto a mais rica tem condições de discordar dos seus chefes e de se opor aos homens abertamente - porque ela não tem família para sustentar - as outras aceitam condições humilhantes porque precisam daquele trabalho. Essa diferença de classe distancia a personagem das outras e foi apenas, só uma questão de classe. Imaginemos, então, como podemos lidar com tais questões quando temos mulheres transgêneras, negras, pobres, latinas, lésbicas, bi/pansexuais, deficientes? Como podemos, então, dizer que a bandeira do feminismo atende à todas igualmente, com suas necessidades específicas?

Como podemos usar do discurso da sororidade quando as correntes tradicionais do feminismo ignora questões de classe e cor, por exemplo? O que é sororidade quando uma feminista abertamente é racista e as outras apenas tentam pôr panos quentes? As pessoas vivenciam opressões de modos diferentes, e dizer que uma única questão se sobrepõe à todas as outras é ignorância. Dizer que "a mulher nunca oprime" é estúpido. Dizer que "a cor sempre se sobrepõe ao gênero" é estúpido. Dizer que há questões que podem ser deixadas em segundo plano, "para depois", não é apenas estúpido, mas também criminoso porque enquanto o movimento feminista e o movimento LGBT ignora a existência das pessoas transgêneras, tratando-as em segundo, terceiro, quatro, décimo lugar, essas pessoas estão sendo expulsas de casa, desempregadas, forçadas à prostituição e assassinadas nas ruas. E o próprio movimento trans* acaba por violar a existência das pessoas não-binárias, tentando enquadrá-las em formatos binários aceitáveis, acabando por culpar essas pessoas pela não compreensão do "público leigo" do próprio conceito de transgeneridade (que era algo que eu não sabia que acontecia até hoje, ao ver o caso de Tereza). E nunca, nunca podemos nos servir da linda e maravilhosa sororidade quando nós machucamos as pessoas que deviam ser as nossas aliadas.

E aqui, novamente, eu faço uma crítica à diversas feministas: criticar vocês abertamente é falta de sororidade? Eu declarar publicamente que eu não gosto de vocês, que eu não me alinho a vocês, que eu não fecho com vocês é falta de sororidade? O fato de vocês serem mulheres, Nádia e Lola e Caitlin Moran e tantas outras que não recordo o nome, não significa que eu feche com vocês o tempo todo. Podemos compartilhar o fato de termos uma vagina, o que nos confere a cisgeneridade e todos os privilégios decorrentes disso, e podemos compartilhar sobre a nossa vivência de sermos mulheres ocidentais e protestarmos contra salários menores ou algo assim. Mas é tão confortável, não é? Nunca nos criticarmos, sempre sermos aliadas e dar cobertura uma na outra quando alguém fala merda. Fingir que racismo, transfobia, capacitismo e todas essas coisas são irrelevantes. Ou, ao menos, menos importante para a causa - porque o que importa é ser mulher, não é? O resto é apêndice.

Mas não é.

Todas as minhas outras condições não são apêndices. Minha deficiência auditiva, meus cabelos e minha cor de pele que não me permitem ter 100% de passabilidade branca, minha classe social: essas coisas não são apêndices, são características minhas que se cruzam com eu ser mulher. Eu vivencio ser uma mulher muito diferente de vocês. E enquanto Caitilin Moran pode se dar ao luxo de dizer que "não dá a mínima" para questões raciais porque ela é branca em uma sociedade ocidental, eu não posso fazer o mesmo. E enquanto Nádia, do Cem Homens, pode se dar ao luxo de dizer que "mulheres não podem oprimir" ou Lola pode apenas atenuar questões de transfobia em sua caixa de comentários, bem, eu tenho que ver minhas amigas com seus nomes contestados e precisando de laudos psiquiátricos para conseguirem justificar suas existências diante do Estado. É tão confortável, não é? Achar que ser mulher cobre tudo. Que eu sou uma mulher da mesma maneira que Caitlin ou Lola, como se não houvesse recortes de cor, classe, orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade e tantas coisas, recortes cruéis que marcam bem as nossas diferenças. 

achei no google e perdi a fonte, desculpa :(
Veja bem, não estou aqui propondo que essas mulheres todas são inimigas. Muito menos considerando que homens - do outro lado no espectro sexista da coisa - são possíveis aliados. Porque se nem mulheres conseguem realmente perceber que ser mulher não as isenta de fazer outras merdas racistas, transfóbicas, etc., imagine então homens. Nisso, confesso ser taxativa: eu dedico pouca esperança aos homens. Eu acho muito cansativo conversar com homens no geral a respeito do feminismo porque a maioria esmagadora simplesmente não consegue entender uma fração que seja do que é ser mulher. Parece que mesmo quando possuem algum desprivilégio (ser gay, ser pobre, ter alguma deficiência), ainda assim o "ser homem" cobre tudo e a falta de empatia é uma coisa incrível. Simplesmente não tenho paciência e o meu feminismo costuma ser frequentemente direcionado para dialogar com mulheres. O meu feminismo sempre foi sobre mulheres, para mulheres, por mulheres.

Por isso as minhas críticas à vocês. Eu acho urgente que se desenvolva uma consciência dentro do movimento feminista para que a gente passe a coibir atitudes racistas, transfóbicas, homofóbicas (bifóbicas também), classistas, capacitistas, gordofóbicas, etc. Acho urgente que se pare de acreditar que o feminismo abarque todas no mesmo barco, cobrindo todas com o mesmo manto de "é mulher", ignorando completamente todas as outras classes sociais em que a pessoa faz parte. Eu critico abertamente porque eu não acredito em intrigas ou indiretas como métodos válidos de diálogo. Uma das coisas mais importantes para uma feminista não é nem ela nunca errar, mas reconhecer seu erro e saber se posicionar claramente. Quando uma feminista é transfóbica e nega claramente, recorrendo à subtefúrgios como "cadê sororidade" ou "mulher nunca oprime", ela não está apenas se recusando a reconhecer seu erro, mas também fazendo parte da classe dos algozes de pessoas trans.

Isso não é uma "questão de opinião".
Isso não é uma questão de "que ninguém é perfeito".

As pessoas falam merda. As pessoas fazem merda. A diferença está entre você ser covarde para fingir que não fez merda ou ser uma pessoa decente e admitir que fez merda, pedir desculpas e não repetir mais. Essa é uma diferença tão básica que me pergunto, seriamente, como é que conseguem tropeçar nisso.

Então, fechando aqui o texto, vão ao inferno com "sororidade". Não porque o conceito, em sua definição básica, seja ruim: ele não é. Eu acho importante mulheres aprenderem a se verem como aliadas, amigas, companheiras. Acho importantíssimo desconstruir a famosa rivalidade feminina e perceber como acreditar nisso nos impele uma contra a outra. Mas toda vez que eu vejo feministas se servindo desse conceito, é sempre pra abafar a merda que uma ~companheira~ fez e eu não tolero esse tipo de comportamento. Não aceito que feministas que critiquem outras feministas recebam censuras de "falta de sororidade" só por terem ousado desafiar suas próprias "irmãs" para apontar racismo ou transfobia, por exemplo. Não venham para mim e digam que "mulher não pode oprimir", porque pode sim. Mulher não é só mulher. Mulher também é branca, rica, heterossexual, cisgênera, sem nenhuma deficiência. E pessoas brancas, ricas, heteros, cisgêneras oprimem. Ser mulher não confere à ela uma qualidade mágica de nunca oprimir nenhuma pessoa no mundo. Ser mulher não as isenta de ter outras características opressoras. Vou repetir isso até cansar porque parece que galera não entende. Qualquer pessoa pode oprimir qualquer pessoa - basta ela ter algum privilégio sobre alguém que não tem esse mesmo privilégio. Eu não me alinho com mulheres que sejam racistas ou transfóbicas só porque são mulheres, porque eu não acredito em feminismo que não seja para todas. Eu não acredito que é válido escolher x mulheres que defenderei.

É incômodo? Sim. Esse tipo de ideia incomoda às pessoas? Sim. É desconfortável perceber que você tem esse poder de oprimir outra pessoa com sua cisgeneridade ou heterossexualidade ou mesmo sua cor de pele? Sim. Mas seu desconforto nunca chegará perto de toda a discriminação histórica que essas pessoas sentem. Por mais horrível e desconfortável que eu me sinta percebendo a minha identidade cisgênera e de como ela oprime minhas amigas trans*, todo meu sentimento nunca chegará perto de toda a saga de sofrimento e exclusão que elas sofrem. Eu dizer que eu não posso oprimir porque "sou mulher" é mentiroso. Mas esse tipo de sentimento - o de desconforto - nunca, nem por um segundo, deve deixar de existir para não ferir a "sororidade".

Sororidade é um conceito lindíssimo.
Atenham-se à ele. Parem de usá-lo como uma desculpa esfarrapada e fingirem que não erraram. Parem de fazer de conta que ser mulher une a todas nós de forma igual e mágica, porque não une. Por favor, parem de ignorar as muitíssimas opressões que todas nós vivemos e achar que elas são menos importantes do que "ser mulher". Parem de dar cobertura às feministas racistas e transfóbicas. E, por tudo que for sagrado nesse mundo, parem de falar da misandria como se fosse uma ~pauta do movimento~ e prestem mais atenção nas suas próprias "irmãs" que estão sendo agredidas pelo próprio feminismo por serem trans* ou negras, como gostam de dizer. Porque essas mulheres estão sendo violentadas duas vezes, uma pela sociedade patriarcal e outra pelo movimento que diz que representa-as. E isso é tão triste que eu não sei nem por onde começar a lamentar.

Eu só digo isso à vocês. Não aos homens, mas à vocês: feministas que falam tanto de sororidade, empatia, irmandade, empoderamento. Por favor, apliquem todos esses conceitos de verdade. Não selecionem suas "irmãs". Desçam do pedestal dos outros privilégios que vocês possuem e sejam menos arrogantes. Ou... podem fazer o feminismo de vocês excluindo metade das mulheres. Sem problemas. O feminismo branco e limpo. Não tem problema.

Cada um sabe da sua consciência. Fiquem com a sua sororidade... para as irmãs brancas, cisgêneras e classe média. Euzinha e mais outras iremos trabalhar em outras frentes <3

"Apóie suas irmãs. Não apenas as irmãs cis" (fonte: fuckyeahsubversivekawaii)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O que fazer quando estuprador ganha voz em espaço feminista ♥

MEUS SENTIMENTOS NESSE MOMENTO. (agradecimentos especiais pra Enya por achar o gif pra mim)

Eu fiquei completamente sem palavras ao ler esse recente post de Lola.

Quer dizer, ela já havia dito muita merda, mas dar voz ao estuprador foi inusitado. Me causou mal-estar. Me fez mal ler aquelas palavras, ler aquela confissão do estuprador e ler o texto praticamente perdoando o cara escrito por Lola, dizendo que ele também era vítima e, pior, chamando as feministas que queiram punir estupradores a todo custo de reaças. Sim, Lola, foi o que você disse. "Que reaças queiram punir a todo custo, eu entendo. São reaças." você disse e então "Mas, pra mim, feminista não pode ser reacionária". Cagando regra em cima do feminismo. Dizendo como eu e tantas outras deveríamos pensar sobre punições e reabilitações dos nossos agressores. Aqui não é o momento de você discutir reabilitação, Lola. Eu compreendo que estupradores não são monstros, mas homens que aprenderam que mulheres são menos que gente, sendo perfeitamente autorizados a tratá-las de maneira perversa. Mas seu blog era para ser um lugar seguro.

Um lugar que nenhuma mulher teria que ler um texto escrito por um estuprador se fazendo de arrependido, contando suas histórias, amargurado pela culpa.
Isso que se chama lugar seguro dentro do feminismo: um lugar que agressores não tem voz. E você foi lá e permitiu que ele tivesse voz.

O quão mais baixo você pode descer?

Eu não quero falar, porém, que você não tem esse direito. O blog é seu. Você pode falar absolutamente de qualquer coisa. Se você quiser falar de gatinhos fofos, feminismo radical ou da última treta entre Femen e resto do mundo, você tem todo o direito. Mas eu, como uma pessoa que viu no seu blog uma das portas de entrada para conceitos feministas, quero te falar uma ou duas coisas. 

A primeira delas é sobre empatia.

Lola, você estava perfeitamente ciente de que esse post poderia provocar mal-estar entre diversas mulheres. Você mesma declarou que não gostaria de receber um pedido de desculpas de um estuprador seu. Então, de que modo, você achou que fazer o mesmo com essas vítimas era legal? O que passava na sua cabeça quando você decidiu postar assim mesmo, esse post que é simplesmente um TRIGGERING tão gigante até mesmo para quem nunca sofreu abuso sexual? Considerando que seu blog é simplesmente um dos maiores portais feministas brasileiros (como eu gostaria que não fosse!) e considerando a quantidade extraordinária de pessoas que são introduzidas ao feminismo através dos seus textos, como você acha que essas pessoas vão conseguir lidar com esse espaço que o estuprador teve para se arrepender?

Você é uma feminista. Você é entrevistada e tudo o mais. Dá palestras. No entanto, parece que você se esqueceu que estupradores já possuem sua voz em todos os lugares. Nas escolas, nas novelas, nas esferas políticas, em absolutamente todo lugar: os nossos agressores são pais, professores, políticos, médicos e exercem seu poder livremente. Você sabe perfeitamente bem que ao passo que a sociedade inteira legitima o discurso que silencia as vítimas, dizendo à elas que são culpadas das agressões que sofreram, então elas não tem onde recorrer. É para isso que temos os blogs feministas, grupos privados no facebook, listas de e-mails. Para que sejam espaços seguros. Meu blog é um espaço seguro. As pessoas amigas minhas que lêem meu blog são, geralmente mulheres que vivenciaram opressões de modos diferentes: por serem bi/pansexuais ou lésbicas, por serem negras, por serem trans, por serem tantas coisas diferentes. Eu preciso que meu blog seja lugar seguro para elas. Tomo cuidado para isso. Você não tem o mesmo cuidado. No momento que você publicou esse texto, sendo um prolongamento da sociedade, o seu blog já não é mais lugar seguro para mulher alguma.

Mas, na verdade, ele nunca foi, não é mesmo, Lola?

O que eu devo pensar de uma feminista que deliberadamente e conscientemente publicou um guest post que causa tamanho mal-estar entre mulheres? O que eu devo pensar de uma feminista que disse que "quer saber dos dois lados" quando é informada de uma agressão que ocorreu na Marcha das Vadias? Lola, você não é a Justiça. É óbvio que todos são inocentes até que se prove o contrário, e é óbvio que diante da Justiça, todos devem provar seus argumentos. Mas você é uma feminista e feministas nunca deveriam duvidar da palavra da vítima. Esse é um dos princípios básicos: acreditar na vítima e defendê-la, porque o mundo inteiro já está pronto para acusá-la.

Você não fez isso, não é?
Sororidade, aqui, está servindo à quem, Lola? Essa tal sororidade que as feministas tanto amam, tanto pregam, tanto querem: ela está servindo à mim? Me declarar contra você é não exercer esse princípio maravilhoso que é para unir mulheres? Que mulheres unidas são essas, Lola? Você é uma delas? Eu não quero me unir à você.

Vejo seu blog há tantos anos que mal consigo me lembrar do ponto de partida. Recordo-me de como te admirava e de como eu considerava você o máximo. Eu clicava em absolutamente todos os links para seus próprios textos que você inseria dentro dos seus posts - é engraçado que hoje eu enxergo neles um pouco de autopromoção, mas nada contra. Todo mundo tem direito de se autopromover o quanto quiser. É engraçado como eu não percebia o quanto seu feminismo era amável e gracioso, o feminismo da mulher branca e classe média, o feminismo da mulher que teve todos os privilégios do mundo exceto ser mulher e é exatamente o tipo de feminismo que eu nunca tive o luxo de ter. O objetivo do seu feminismo, Lola, é "conquistar corações e mentes". O objetivo do meu feminismo é libertar mulheres de suas opressões. E libertá-las não significa que eu queira conquistar corações e mentes, que você disse em seu estúpido post sobre a quebra das santas católicas.

O seu feminismo, Lola, não te permite reconhecer que recomendou uma teórica transfóbica. O seu feminismo não te deixou perceber a transfobia que ocorre nos seus comentários, transfobia essa que merece mil avisos de triggering. O seu feminismo não te impediu de ser escrota nessa ocasião e eu dou nomes aos bois: cê foi escrota, cê foi conivente com a transfobia e, nessa, cê perdeu toda a minha admiração. Mas não vou tirar sua carteirinha não. Eu não sou reaça. Eu não sou uma hater sua. Não sou troll nem mascu, eu apenas discordo de você e de todas essas suas opiniões. Mas você vai me classificar de uma dessas coisas se chegar a ler isso aqui, não vai?

Então encara tua responsabilidade. Você fez merda. Faltou empatia. Nós esperávamos empatia de VOCÊ, porque você se diz feminista, porque você é uma mulher, porque você diz aos quatro cantos que sempre devemos defender a vítima, mas tu foi lá e acolheu o estuprador como mamãezinha. Não diga que não fez isso, porque foi isso que as meninas sentiram. Em todos os grupos de feminismo que participo, todas tiveram exatamente a mesma. fucking. sensação: o acolhimento do estuprador.

E considerando que abuso é algo comum pra caralho, então a quantidade de meninas que eu vi comentando sobre o quão horriveis se sentiram, recordando-se de suas agressões, perguntando-se sobre seus agressores, não foi brincadeira. Tu não é espaço seguro pra ninguém.

Eu apenas lamento por todas essas pessoas que são introduzidas ao feminismo através de você atualmente. Apenas lamento porque elas verão uma feminista que deu espaço para um estuprador se arrepender, uma feminista que resolveu abrir espaço para a amiga médica que criticou a vinda dos cubanos com base em argumentos bem classe-média-sofre, uma feminista que permitiu que a transfobia acontecesse nos comentários, uma feminista que ignora convenientemente todas as pessoas que a critiquem. Já te falaram que você estava fazendo um deserviço ao feminismo anteriormente e eu discordei na época. Não compartilhei essa opinião. Mas, agora, eu acho isso. Eu acho esse post específico um enorme deserviço ao feminismo.

O que seria o deserviço ao feminismo? Bem, eu considero deserviço ao feminismo qualquer situação que atinja as mulheres e/ou feministas de forma negativa. Isso significa que quando Caitilin Moran diz que "não dá a mínima para questões raciais" (você lembra disso? Porque você disse que era "grosseria". Como se o racismo institucional pudesse ser chamado apenas de grosseria!), ela está fazendo um deserviço ao feminismo porque - como feminista branca - está praticamente afirmando que não se importa com as mulheres negras e marginalizadas. As Femen fazem um deserviço ao feminismo, não por protestarem seminuas, mas por não conseguirem formular um único pensamento político coerente, especialmente aqui no Brasil. E quando uma feminista prefere abrir espaço para um homem - e não qualquer homem, mas um homem que estuprou duas pessoas - em detrimento dos sentimentos de suas próprias leitoras que já passaram por abusos, ela está fazendo um deserviço ao feminismo.

O meu feminismo se trata de empatia. De solidariedade. De acolher as vítimas, primeiro, de empoderá-las simultaneamente. É óbvio que devemos educar os agressores, mas - veja bem - minha prioridade sempre vai ser o bem-estar das minorias oprimidas. Se um texto que eu publicar na internet fizer minhas amigas se sentirem mal, é minha responsabilidade. E é dever meu retirá-lo imediatamente e pedir desculpas, porque minhas amigas não precisam de mim para se sentirem mal: os comentários no G1, a novela das 8, o mundo inteiro já faz isso. O meu blog é refúgio, Lola, e o seu também deveria ser. Mas se seu blog feminista tão grande deixa de ser refúgio, o que acontecerão com suas leitoras machucadas?

Meu feminismo também se trata de raiva. Não sou feminista porque "mulher tem que ganhar o mesmo salário que homem". Eu sou feminista porque tenho ódio de como as mulheres são tratadas. Eu sou feminista porque eu odeio ver como os mecanismos de opressão são tão perversos que praticamente nos fazem amá-los. Eu tenho ódio porque misoginia caminha lado a lado com homofobia, racismo, transfobia, especismo e tantas outras coisas que é praticamente impossível desarticular as causas. Eu tenho ódio porque eu sei que por mais que eu tente me libertar, ainda assim estarei oprimindo alguém e enquanto estiver oprimindo alguém, de nada adiantará meu feminismo. E eu tenho ódio, ódio de ver estupradores sendo "supostos" em todas as notícias e inocentados em seus julgamentos. E então eu os vejo em seu espaço. O que deveríamos pensar?

Você desapontou tuas irmãzinhas, moça.

É engraçado pensar que dentro do feminismo existe esse conceito, a sororidade, e ele sempre é usado para impedir que feministas sejam criticadas por feministas. Mas sabe de uma? Eu jogo essa merda toda no ventilador e em público. Se mascus vão ler isso e vão amar? Paciência. Se as feministas em geral vão ler isso e me odiar por fazer das nossas tretas algo público? PACIÊNCIA. Feminismo não é um movimento perfeito e homogêneo, feminismo não é um produto para ser vendido, feminismo não é uma seita para ser pregada de porta em porta, feminismo não é para ter assessoria de marketing para dar uma arrumada no visual e torná-lo agradável pro mundo. Feminismo é plural e cada mulher tem direito de ser feminista à sua maneira, com tuas prioridades únidas. Feminismo não é para ser limpo e esterilizado. Feminismo não é sobre você ou sobre eu: é sobre mulheres, sobre muitas mulheres, e é sobre empoderá-las. É sobre elas acreditarem em si próprias. É sobre elas serem negras, pobres, latinas, trans*, queer, lésbicas, bissexuais, pansexuais, tudo o que elas forem ou quiserem ser e é sobre elas perceberem que são gente.

Eu não me importo de fazer das minhas tretas públicas. Não me importo de brigar publicamente com outras feministas. Não estou nem aí se um masculinista pode pegar isso para deturpar o movimento: ele já faria isso de qualquer jeito. Não te criticar com receio de que as pessoas considerem o feminismo um movimento duvidoso não me serviria de nada, porque as pessoas já acham feminismo um movimento duvidoso. Eu prefiro ser absolutamente honesta e que qualquer pessoa saiba perfeitamente com quem eu fecho.

Eu fecho com mulheres, Lola. Independente se elas perdoam seus agressores ou se querem a cabeça deles em uma bandeja.
Mas eu fecho com elas sempre.

Você... eu não sei com quem você fecha. Talvez você só feche com você mesma, querida Lola.

"Não deixe eles te dizerem que você não está autorizadx a sentir raiva" (fonte: fuckyeahsubversivekawaii)