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domingo, 6 de outubro de 2013

Para se ler nos dias ruins (☆^ー^☆)

"Você pode fazer isso" (fuckyeahsubversivekawaii)
Esse texto é para você: a pessoa que eu sei que chora eventualmente ou que não chora nunca ou chora sempre. A pessoa que se pergunta se está fazendo tudo certo, a pessoa que procura por uma maneira de aprender a se amar, a pessoa que passou por maus bocados nessa vida e só quer paz.

A verdade é que: você pode aprender muita coisa sobre movimentos sociais e mecanismos de opressão. Você pode ser capaz de saber conscientemente que está tudo bem ser gorda, que está tudo bem ser gay, que está tudo bem ter depressão, que está tudo bem ser qualquer coisa. Você pode passar anos sabendo que seu reflexo distorcido no espelho nada mais do que produto de uma sociedade doentia e obcecada por padrões de beleza, você pode saber perfeitamente que seu relacionamento amoroso atual tem doses de sentimentos possessivos e manipulações psicológicas em um nível alarmante e saber que isso não te faz bem, você pode saber que você tomou a melhor decisão do mundo para você e sabe que o julgamento em cima das suas decisões estão baseadas em ódio e controle. Você pode saber tudo isso.

Nada disso te impede de se machucar.
Nada disso te blinda das nossas pequenas crueldades diárias.

Para você,
minha querida pessoa que sofre agressões e reproduz agressões - com outras mesmo não querendo, com você mesmo odiando mais ainda a si.
Esse texto é inteiramente escrito para você e, talvez, eu consiga atingir uma ou duas pessoas. Isso me fará feliz, por ora.

Eu queria te dizer que tudo ficará melhor. Que as coisas se ajeitarão e um dia seremos uma linda comunidade humana que viverá de hortas comunitárias. Sem trabalho escravo. Sem partidos religiosos esquisitos que vociferam contra liberdades individuais o tempo todo. Sem duvidosas alianças políticas. Um mundo em que você sinta que se integrou perfeitamente, um mundo que seja legal fazer parte, um mundo maravilhoso, como uma utopia. Eu queria te dizer que se a gente lutar muito agora, vamos conseguir atingir esse paraíso daqui a alguns anos. Que talvez a gente consiga ver tudo isso antes de morrermos. Mas seria mentiroso da minha parte: as nossas chances não são as melhores, o nosso movimento ainda tem rachaduras difíceis de se consertar e o outro lado da batalha tem recursos e pessoas com muito mais poder do que nós. Foram historicamente preparadas para isso, ao passo que estamos em desvantagem porque isso aqui não é uma guerra: é um massacre, físico e psicológico.

Mas eu queria te dizer bem baixinho:
você não é a única pessoa que se sente sem esperanças.
você não é a única pessoa que sente ódio de como mundo foi feito.
você não é a única pessoa que queria que as coisas fossem diferentes.
você não é.
"Lembretes: você é uma ótima pessoa. / eu amo você muito, muito mesmo / você merece amor / você merece atenção / você merece respeito / e você merece muito, muito mais / está okay bagunçar / está okay estar errada / está okay estar chateada / está okay chorar / você é amada"(fuckyeahsubversivekawaii)
Eu sei que tudo parece muito ruim, e eu sei que dá vontade de abandonar tudo e viver no meio do mato. Eu sei que é horrível viver em um mundo em que você viva em permanente estado de alerta, e eu sei que às vezes não há saída a não ser desabar. Muitas pessoas morreram em todos esses anos, e morreram por serem quem são, por terem gritado sobre quem são, por terem se recusado a viver como todo mundo queria que vivessem. Seus nomes foram apagados da nossa história, suas histórias esquecidas. Elas não se mataram, e você sabe disso. Nós matamos elas. Nós, enquanto sociedade, assassinamos pessoas todos os dias, seja desovando travestis em valas, seja destruindo a auto-estima de mulheres estupradas, seja acabar com qualquer perspectiva de futuro de uma criança negra e pobre. E então chamam de suicídio a morte de tantas pessoas que tomaram muitos remédios, por exemplo, como se a morte fosse uma escolha no caso delas, mas eu e você sabemos que não foi. Elas simplesmente terminaram o serviço que nós começamos. E eu sei que a boca fica seca e a garganta dá um nó de ódio a cada notícia de estupro, a cada comentário defendendo estupradores, a cada página de ódio, a cada discussão estúpida, a cada pai e mãe que não aceita, a cada escola que expulsa, a cada namoro e marido e homem de qualquer gênero que violenta, a cada emprego negado, a cada bala perdida de nobres policiais atirada coincidentemente em pessoas negras, a cada amizade perdida, a cada pessoa que desaponta. Parece ruim e parece que não se pode lidar com isso.

Vou ser honesta: às vezes não dá para lidar.

Às vezes a cota simplesmente extrapola, e então eu só posso lhe dizer: não vai passar, mas é possível não morrer de desgosto. É possível ainda ficar de pé e querer alguma coisa melhor. É possível você ainda continuar com raiva e essa raiva lhe fazer bem, é possível você ainda continuar insistindo em seus ideais, é possível. E eu sei que essa humanidade, linda e maravilhosa do jeito que é, não tira uma folga de foder as minorias diariamente, mas é possível conseguir alguma melhora enquanto vivermos. Pode acabar não sendo o lindo mundo que imaginamos, mas é possível que alguma coisa melhore. Não, você não errou ao desejar um outro mundo, uma outra maneira de fazer as coisas. Não, você não falhou ao vacilar e acabar se odiando mais uma vez. Não, você não está sendo hipócrita quando fala tanto da importância do amor-próprio e acaba se encontrando em relacionamentos possessivos e controladores que não sabe como entrou neles. Não, você não é incapaz e sim, a gente te ama.

A gente te ama.
Você não sabe disso, mas a gente te ama.

Meu bem:
eu queria te motivar, mas acho que não consegui. A real é que a sensação de dar murro em ponta de faca é forte, forte demais para eu ignorar. Mas o que vai acontecer se eu simplesmente achar que nada vai mudar de qualquer jeito e dar as costas? O que vai acontecer se eu me permitir ignorar os erros dos nossos ancestrais? O que vai acontecer se eu ficar em silêncio? Talvez o mundo não mude, mas e eu? E você? E se você cair, eu caio junto? Se eu cair, tu cai também?

E se nenhum de nós cair?
E se a gente insistir em ficar de pé e ainda chamar todo mundo pra ficar de pé?

E se você pergunta: e se eu tropeçar e achar que não dá mais?
Tudo bem.
Ainda somos pessoas e somos pessoas vulneráveis. E não há vergonha em admitir isso. Porque estamos em desvantagem, meu bem, e todo mundo sabe disso.

Quando você tropeçar, a gente te segura. Quando você quiser desistir tudo, a gente te entende. Quando você quiser estar na linha de frente, a gente te dá cobertura. Quando você quiser desabar e chorar num cantinho, a gente te abraça.
Mas não se sinta como se fosse a única pessoa do mundo a lidar com essas coisas.
Não se sinta só.
Você não está, acredite em mim :)

"Pessoas que fazem você se sentir mal sobre você mesma não são pessoas para você" (fuckyeahsubversivekawaii)

6 comentários:

Se você for amor, tome um chá, sente no sofá, tire uma soneca, fique à vontade que a casa é tua. Se você não for amor, inclusive sendo homofóbico, misógino, transfóbico, racista, etc., eu excluirei sua postagem. Sim, porque aqui é ditadura da minoria e as pessoas que me amam e/ou me lêem não são obrigadas a lerem sua merda. Então pense duas vezes :)