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sábado, 6 de dezembro de 2014

você realmente queria estar morta?

esse texto foi escrito depois de conversar a respeito com algumas amigas que estavam problematizando a expressão. muito do que digo aqui é ouvindo elas, antes de tudo.
aviso de conteúdo: suicídio. pode ser que você não se sinta bem com as estatísticas ou algo assim. por favor, nesse caso, observe essa maravilhosa lista de gifs de filhotes em vez de ler um texto sobre algo tão horrível. sério.
ressalva: esse texto não foi feito para quem responde "sim" à pergunta do título. esse texto foi feito para quem brinca com o assunto e se serve do meme como uma piada, não como um meio de expressar sua vontade sem sofrer represálias. malu observou esse detalhe e ele é importante porque, veja bem, muitas pessoas TEM essa vontade e elas querem falar a respeito. e é importante que elas falem, de verdade.

mas esse texto, especificamente, é feito pra censurar pessoas que não fazem ideias do que seja "sentir vontade de estar morta" banalizando a expressão simplesmente porque "é uma piada". tudo bem?  
Todo mundo sabe que a internet vive de memes e menes (nunca soube a diferença) e que se alimenta deles enquanto eles continuarem "engraçados" ou "válidos". É o caso de "até a Luiza no Canadá", "tomando meus bons drinks" e, um dos mais recentes, "queria estar morta" e "que morte horrível".

Okay.
Quando foi que brincar com "queria estar morta" se tornou tão engraçado?

O Brasil é o oitavo país com mais casos de suicídio do mundo, segundo a OMS, e o quarto maior em crescimento — o que quer dizer que as perspectivas são muito, muito sombrias. A cada quarenta segundos, uma pessoa retira a própria vida no mundo, e suicídio é a segunda causa de morte mais comum para a morte de pessoas entre 15 e 29 anos. Aliás, entre 2000 e 2012, o percentual de pessoas entre 10 a 14 anos que se mataram foi de um aumento de 40%. Entre 15 e 19 anos, foi de 33,5%.

O meme continua engraçadinho para você? 

O desejo de morrer — ou melhor dizendo, de não existir mais, de não ter que lidar com outro dia, de simplesmente apagar e não acordar nunca mais — é um sintoma recorrente e bastante significativo da depressão. Mais de 350 milhões de pessoas no mundo tem depressão, segundo a OMS, e isso é gente PRA CARALHO. Ao que tudo aponta, depressão se tornará (se é que já não é) a doença mais comum da atualidade. Lembram quando tuberculose era o mal do século e os poetas romantizavam em cima da tosse com sangue por suas amadas? Pois bem. 

"Nossa, mas isso se resolve tomando vergonha na cara"

Não.

"Nossa, mas isso é frescura"

Não.

"Nossa, mas você só tem que olhar o lado positivo da vida"

Por favor, não.

Depressão é a segunda maior causa de ausência no trabalho, perdendo apenas para dores nas costas, e é um dos maiores motivadores para a concretização do suicídio. A pessoa sente que até mesmo se levantar da cama é um peso enorme e horrível, e se sente culpada por simplesmente não conseguir levar a vida como todo mundo. A doença pode se manifestar de diferentes formas nas mais diversas formas, mas o desejo de simplesmente não ter mais que viver vai estar lá. E é um desejo real, muito real. 

Quando você diz que "queria estar morta" de uma forma engraçadinha, porque zoeira never ends, não é mesmo?, eu vou te dizer o que acontece:

— as pessoas que desejam, efetivamente, o suicídio se sentem inibidas a se expressarem, pois elas sentem que não serão levadas a sério, mas apenas como uma piada, apenas uma propagação do mene tããããão engraçado e, consequentemente, se retraem (o que significa que elas estarão sujeitas à verem sua doença se agravando cada vez mais);

— e as pessoas que tentam expressar sua vontade em morrer mesmo assim não são levadas a sério.

Quero dizer:
a doença já é considerada "frescura" por uma pá de gente. E vocês vão lá e colaboram para o quadro piorar. Ao se servir de um mene por ser tão "engraçadinho", vocês colaboram para que a dor de diversas pessoas seja minimizada e se transforme na sua nova piada do dia. Então a pessoa, como ela não vai conseguir chamar atenção para a sua dor falando, porque, olha só, ninguém está prestando atenção nela, então vai ter que usar outros meios — e, bem, o suicídio, quando acontece, dói, não é mesmo?

E então todo mundo pára, lamenta e fica "mas era tão jovem!". "Tinha tudo na vida". "Se matou porque foi fraca". E por aí vai. Não contribua para isso, sério. Se você não deseja morrer, não transforme isso para se realizar enquanto humorista. Não transforme a doença dos outros em uma piada grosseira para justificar um dia ruim. Simplesmente, sério, não faça isso.

Isso é sério, muito sério, e pessoas morrem todos os anos porque elas não suportaram. E muitas delas simplesmente nunca tiveram todo o apoio e a compreensão necessários. Além disso, muitas pessoas avisam que pretendem se matar, muitas delas cogitam isso em voz alta — e não são levadas a sério. Nós temos essa crença de quem quer realmente se matar não avisa, apenas vai lá e tenta, e isso é mentira. E é triste que quando uma pessoa verbalize esse sentimento, a maioria das pessoas simplesmente vai entender que ela está propagando um meme como a internet inteira faz e não dá a atenção necessária. Essas pessoas precisam de ajuda, mas uma piada de internet não vai ajudá-las nisso.

O meme continua tão engraçadinho assim para você?
Espero que não.


outros links:

obs.: acabei não trabalhando isso durante o texto, mas aquelas páginas de 'X da Depressão' são igualmente escrotas, okay? Não é engraçado transformar a doença em motivo de piada para fazer páginas com alto teor humorístico. Vocês podem fazer melhor que isso.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

9 observações sobre feminismo +1 sobre unicórnios (aka bissexuais).

eu sei que estou ausente há séculos, mas cá estou eu me revirando no meu túmulo e retornando de pouco em pouco. só para dizer algumas verdades que não mudaram nesse um ano e meio de blogzinho da rainha aqui (sim, rainha sim, olha a url do blog, faz favor). vamos prestar atenção na vossa majestade:

01) Mulher transgênera é mulher sim.

E o choro é livre.

02) "Mas agora a gente não pode mais falar de buceta!!!!111"

Pode sim. Ninguém está impedindo.
Só não falem de vaginas como se fosse um pré-requisito pra ser mulher, porque não é. Façam o mimimi que quiserem, mas não é. Falar de direitos reprodutivos é importante sim, falar de anticoncepcionais, ciclos menstruais e empoderar a vagina em si como algo ok é muito, muito importante. Mas também é igualmente importante lembrar que nós somos mais que órgãos reprodutores e/ou sexuais. Obrigada.

03) "Esse transativismo está dividindo o movimento, fazendo as mulheres bloquearem uma a outra no fb"

Eu deleto todo mundo que é chato do meu fb.
Não somos nenhuma seita maligna.
Se você está fora do meu fb, provavelmente é porque você é boring e não quero mais ver a sua cara na minha página. Só isso.

04) Bissexualidade existe.

E está por aí, existindo e sendo linda e maravilhosa em rosa, roxo e um milhão de outras cores. Superem isso. A vida continua.

05) Dizer para uma mulher que ela dorme com seu opressor é péssimo.

Sério. Vocês conseguem maneiras mais gentis de explicar para uma mulher sobre a imposição da heternormatividade e a nomeação do homem como uma classe opressora. Vocês conseguem algo melhor do que fazer essas mulheres se sentirem mal por serem heterossexuais.

06) O protagonismo do feminismo é das mulheres. O movimento é pelas mulheres.

E isso é um ponto básico. Se você é um cara e acha que isso é um enorme problema, bem, volte dez casas e aprenda a história básica do movimento. Se mesmo assim acha que está sendo um problema, então dê o fora. A gente já tem problemas o bastante sem precisar de caras cheios de boas intenções que mais desvia o foco do que qualquer outra coisa. De boas intenções o inferno está cheio.

07) Espaços seguros são essenciais. Para todo mundo.

Uma feminista falar que concorda com homens feministas não quer dizer que ela seja contra espaços seguros. Todos os segmentos necessitam de coletivos, grupos online, etc. para se articularem e se protegerem e isso não inclui apenas mulheres, mas mulheres transgêneras, negras, mães, com deficiência, muçulmanas, etc. Isso é realmente um ponto muito, muito básico. 

08) Mas a gente não ganha nada se dialogarmos só entre nós.

Sim, é mais confortável conversar sobre teoria feminista com as suas amigas. Mas você não muda mundo algum quando você se mantém na sua zona de conforto por toda sua vida. Às vezes vale a pena tentar conversar com alguém de fora e talvez seja legal conversar com as suas amigas para articular algo que promova maior conscientização de outras pessoas.

09) Teoria é legal, mas a prática é tão fundamental quanto.

E ninguém é menos feminista só porque nunca leu Simone. Fica a dica.

10) E, menos. Bem menos.

O feminismo não é só seu, a condição de ser mulher também não e tem um monte de experiência que você nunca viveu e da qual não pode falar a respeito. Seja mais humilde, ouça mais suas coleguinhas — travestis, negras, prostitutas, com deficiência, etc. — e entenda que existe mil formas de ser feminista e um milhão de formas de ser mulher, e nenhuma delas é ilegítima. 

E está tudo bem.
Sério.

domingo, 8 de junho de 2014

cabou seriedade,

no momento que decidi usar esse graphic do unicórnio e mudar o layout do blog para essa coisa que parece ter saído do Adventure's Time.

e não me arrependo
nem um pouco.

bjs.

sábado, 26 de abril de 2014

repilot


Eu sei que faz muito tempo que não venho aqui. Não sei por quê. Na verdade, eu sei.

Eu me sinto cansada.

Não sei exatamente para onde eu deveria guiar esse blog. Sinto orgulho de ter textos aqui que eu mesma releio e eu não mudaria uma única vírgula. Sinto um prazer enorme ao ter visto tantas pessoas compartilharem tais posts entre eles e assinando embaixo e, sim, eu sou egocêntrica e amo ver pessoas concordando comigo. Mas chega a um ponto que eu não sei se eu estou certa. Eu não acho mais que estou acertando. Não sei.

Eu não estou fechando nada. Nem quero. Esse blog ainda me traduz. Tenho vontade de voltar a escrever como fazia e eu gosto de dedicar máxima atenção para cada post. Eu adoraria que vocês tivessem um blog atualizada três vezes por semana ou até mesmo todos os dias, como os blogs favoritos de vocês, mas eu considero isso inviável. Eu mesma não tenho energia para isso, não tenho assunto, não tenho o menor saco. Me perdoem, porque vocês merecem mais que isso. Vocês merecem os comentários respondidos em poucas horas. Vocês merecem uma resposta mais imediata. Vocês merecem mais interesse do que eu posso dar.

Estou só sendo sincera.

Escrever para esse blog não é exatamente divertido. Os assuntos costumam ser racismo, transfobia, misoginia. Não são temas divertidos. Eu estou cheia de raiva e eu preciso liberá-los. Eu estou furiosa e chateada com vocês, e eu quero dizer isso em algum lugar que seja meu. Mas eu não consigo mais me sentir furiosa com vocês. Eu só me sinto desapontada, porque eu realmente odeio perceber que não adianta.

Não adianta. Vocês irão cometer os mesmos erros e eu falarei as mesmas coisas e simplesmente não vai acabar. É um ciclo que continua e continua e continua e, sério, isso me frustra. 

Passei esses últimos meses fazendo coisas divertidas. Jogando RPG. Viajei para o Rio. Vi séries em ritmo compulsivo. Me entupi de comida. Terminei um período de faculdade e comecei outro. Eu fiz isso pela minha saúde mental. Ninguém merece sentar no pc e ler as merdas que me motivam a fazer cada post que fiz nesse blog. Ninguém merece saber que eu, Luna, 20 anos, sou privilegiada pra caramba e se eu já me sinto sufocada, imagina quem não tem os mesmos privilégios que eu. Ninguém merece lidar com gentinha que curte Danilo Gentili e Felipe Neto. Ninguém merece.

Eu não mereço.

E eu quero que esse blog seja um refúgio. Quero que seja um lugar agradável de se estar. Porém é onde descarrego minha raiva e minha frustração para com o mundo. Soa coerente? Soa coerente que eu faça de um lugar que eu pretendia que fosse bonito e confortável o meu espaço pessoal de fúria com a transfobia dentro do feminismo ou misoginia em todos os espaços possíveis? Eu não sei. Eu não sei como vocês se sentem a respeito. Só sei que sentem saudades dos meus textos e, bem, eu também.

São apenas reflexões. Eu gostaria de relembrar novamente que embora esse blog pertença à uma leonina com mercúrio em leão, o que quer dizer algo sobre como eu pareço uma tirânica enquanto dou as minhas opiniões, isso ainda não faz de mim a rainha do universo e eu não odeio quem pensa diferente de mim. Tem muitos posts, por exemplo, que já mudei de ideia 2145987 vezes (o caso campeão é sobre se podemos chamar mulheres de machistas ou não). Tem casos que eu não sei o que pensar. Tem casos que estou cansada demais para pensar. 

Esse é, talvez, o meu texto mais pessoal aqui. Eu me incomodo em escrever sobre eu mesma, porque me sinto exposta. Mas eu preciso aprender a fazer isso, porque se eu quero ser artista, eu preciso aprender a me expor. Então vamos lá. Um passo por vez.

E, de coração, eu agradeço a todos vocês.
Pelo apoio, pelo carinho, pelas críticas, comentários e compartilhamentos nesse um ano e quatro meses. E isso não é o fim.

É apenas o começo de uma outra era que eu ainda não decidi como será (\\^o^//)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

ilustração: as princesas do zodíaco! ♥

Finalmente eu terminei todas as ilustrações dos signos para o projeto de ilustração, e aqui estão elas. Talvez você não compreenda porque eu fiz seu signo de determinada maneira e, bem, eu irei explicar com o tempo. Eu postarei desenho por desenho no facebook ao longo dos dias, explicando alguns aspectos sobre o próprio signo e algumas escolhas que eu fiz para a personagem em si.

Eu espero que vocês apreciem esse trabalho, de verdade <3

OBS.: o de Virgem tem a constelação sim, mas está no vestido e ficou meio claro. Mas foi a melhor escolha, acredite, porque o plano original era colocar nos livros e meio que não deu muito certo (eufemismo para: deu muito errado).














sábado, 1 de fevereiro de 2014

o beijo gay importa sim e o choro é livre

YEY

Finalmente esse show de horrores que foi essa novela Amor à Vida que durou exatamente sete séculos, cinquenta e três anos, quarenta dias e três horas acabou, tipo, agora. Hoje (sábado) vai ter reprise, se você quiser apreciar os vinte e quatro casamentos, dezenove partos e umas cenas aleatórias de draminha (não, os números não são exatos) novamente. Eu fico feliz que essa novela tenha acabado porque é só barbaridade e todas as retratações de qualquer coisa estão medonhas e problemáticas. Pessoas gordas? Retratação ruim. Pessoas autistas? Retratação péssima. E a lista segue. Aparentemente a novela tentou abordar romances proibidos por motivos religiosos, doenças como câncer e lupus, sei lá, um monte de coisa e, no final, o que mais fez foi espalhar desinformação e bagunçar o coreto.

Não, Walcyr Carrasco, você não foi perdoado.

Seguinte, primeiro que o beijo Niko/Felix não foi DECIDIDAMENTE NÃO FOI o primeiro beijo gay da TV brasileira. Primeiro porque a SBT já tinha feito isso com Amor e Revolução e a SBT fez um SENHOR beijo entre duas moças com direito à perna levantada e tudo, então militâncias LGBT: favor não apagarem a existência lésbica. Obrigada. Além disso já teve beijo gay antes, na TV Manchete, e foi entre um cara branco e um negro, apesar de que só mostra as silhuetas se aproximando etc. Mesmo assim. É relevante.

É que vejo algumas pessoas trabalhadas na vibe de "grande coisa, agora tem beijo gay" ou qualquer coisa do gênero. Ou gente que fica "até parece que muda alguma coisa, homofobia continua existindo". Meus amores, um chute no traseiro de vocês por não entenderem o porquê disso ser importante. Um tapa na cara de vocês e estou falando sério e "mimimi não seja agressiva". Eu não tenho mais saco de explicar A + B com delicadeza e florzinhas, então vai assim mesmo. É pra se sentir incomodado mesmo.

Acho que galera heterossexual não tem NOÇÃO da importância que é ter você mesma sendo representada de forma decente. Galera hetero está acostumada a ver casais heteros em todo o tipo de mídia. É o padrão em todos os lugares. Nos livros, nos filmes, nas novelas, nos videogames, TODO MALDITO LUGAR tem um casal hetero. Pessoas heterossexuais são o foco de todas as nossas produções e qualquer obra cujo foco não seja esse simplesmente recebe o status de "obra que fala de relacionamento gay". Nós somos aquela estantezinha no canto da livraria. Nós somos uma categoria. Romance. Fantasia. Terror. Gay. Vocês tem a droga da mídia inteira para vocês. Vocês tem revistas que ensinam como dar em cima do sexo oposto. As propagandas, as histórias, TUDO é sobre heterossexuais. E se caras gays são mal representados, imagine as lésbicas? Imagine os bissexuais? Imagine os assexuais? E vocês vem me falar que beijo gay não é importante? Vão se foder.

Sim, meus amores, ainda terão mil caras gays que morrerão assassinados por serem gays. Mulheres lésbicas continuarão a serem estupradas para "aprenderem" a gostar de "homem". E pessoas transgêneras continuarão tendo suas identidades confundidas com orientação sexual e continuarão a viver à margem da sociedade, e todo mundo continuará achando que bissexuais não existem (e eu sou o Bicho Papão, obg) e assexuais, né, continuará a soar como uma lenda nas nossas representações ínfimas. Sim, os nossos problemas continuarão. Sim, ainda falta um caminho enorme até, de fato, destruir todos os preceitos que estabelecem a clássica Família brasileira como a única correta e possível. Mas, meus amores, é motivo para comemorar sim.

E só pessoas heterossexuais não entendem isso.

Porque vocês não tem ideia. Vocês não fazem ideia do que é ver sua orientação sexual ser completamente ignorada em metade das séries, filmes e novelas e quando ela é citada, ela é motivo de piada, confusão, pilhéria e/ou a única coisa que define aquele personagem. Vocês não fazem ideia da falta absurda que faz para nós não ter personagens como nós. Vocês não tem a mínima noção de como é ridicularmente doloroso ter que assistir filmes que ninguém conhece para assistir sobre relacionamentos que você poderia ter e de como é medonho de que cada filme desses que chegue ao circuito mainstream (vide O Segredo de Brockeback Mountain) geralmente resulte em estardalhaço por parte da mídia, expressões de nojo da sua família e amigos quando assistem e, também, finais tristes. Porque é esse o final reservado à nós, pessoas que não são heterossexuais: geralmente a morte, a separação, o abandono. Mesmo em filmes do gênero, finais do gênero são recorrentes. Não, vocês nunca saberão a importância de ter um casal gay que dê certo e que se beije no final de uma novela das oito na Globo.

Não importa o que a gente pense da Globo e não importa que estejamos corretos. Eu sei que a Globo é uma merda. A novela inteira foi uma merda. Mas ainda assim é a Globo a emissora mais poderosa, e é a Globo que determina quais valores ela reproduzirá em suas obras. Não importa o quanto a gente odeie isso e desligue a TV, esse fato não deixa de existir. Então eu me importo. Eu me importo como essa emissora está tratando a homossexualidade. Eu me importo como ela retrata a bissexualidade e eu me importo se ela se preocupa em dizer se transgeneridade não é uma orientação sexual, e sim identidade de gênero. Eu me importo como mulheres e pessoas negras são representadas. Eu me importo com isso, mesmo não assistindo, porque minha mãe assiste, minhas primas assistem, meus amigos assistem, meus vizinhos assistem, o Brasil inteiro assiste.

E assim como a TV é um reflexo da nossa sociedade, ela também pode ajudar a modificar os nossos próprios comportamentos. Não se enganem vocês que esse beijo aconteceu porque Walcyr Carrasco foi um cara legal. Ele não é. Se ele fosse, pode apostar que teria acontecido séculos atrás, pode apostar que essa novela não teria um décimo de toda sua misoginia, transfobia, gordofobia, entre outros absurdos. Esse beijo aconteceu porque houve pressão popular. Não que a nossa sociedade esteja ~uau~ super à frente (se estivesse, eu não estava escrevendo isso). Mas porque aconteceu algumas coisas dentro da novela que motivou essa simpatia como:

a) Um dos personagens, Félix, era inicialmente o vilão que todo mundo amava (vale lembrar que ele soltava mil frases misóginas, transfóbicas, etc.) e ele obteve a simpatia de todo mundo. Então à medida que começou a pagar pelos seus crimes como o vilão, iniciou-se o arco de redenção: aquele arco de redenção que faz o povo torcer pro cara mau virar o cara bom.
b) Niko é um personagem visto como amorzinho, vítima de uma armação de uma personagem odiada pelo público (Amarylis), e também caiu nas graças do público.
c) A história dos dois então foi como se Niko fizesse Felix conseguir completar sua história de vilão se redimindo e, de boa, quem não torce por isso?
d) Os dois são caras, cis e brancos. E Niko ainda é visto como um anjinho. Bônus aparência para conquistar o público: 10/10

E os atores fizeram por merecer com suas atuações. Eles conquistaram MUITA gente e eu descobri que Brasil até que tem coração de shipper ;)
Mas voltando a falar sério:

A pressão popular para que o casal desse certo foi primordial. Sem isso, nunca teria acontecido.
E se nós conseguimos uma cena de beijo, nós conseguimos uma cena de sexo. Nós conseguimos que relacionamentos gays sejam vistos como naturais. Nós conseguiremos que pessoas bissexuais sejam retratadas de forma decente, assim como assexuais. Se tal pressão popular conseguiu fazer um autor misógino e escroto junto com uma emissora terrível veicular um beijo gay, nós podemos conseguir muito mais. Nós podemos conseguir representatividade em tantos níveis que eu não consigo nem imaginar: novelas com pessoas transgêneras sendo vistas como ~pessoas~ com sentimentos, mulheres gordas que não sejam ridicularizadas, tantas coisas. Esse avanço não é de Walcyr Carrasco. Esse avanço é nosso.

Somente conseguindo ter a nossa tão sonhada representatividade é que podemos conseguir desconstruir a ideia de que todas as pessoas são obrigatoriamente heterossexuais. Somente colocando personagens de diferentes orientações sexuais de novo e de novo e de novo em novelas e filmes e livros até que fique banal é que nós conseguiremos fazer com que as pessoas se acostumem com o diferente. Não é "esperando a sociedade brasileira ficar pronta" que nós vamos conseguir alguma coisa. É enfiando goela abaixo de todos vocês que a gente existe que nós vamos conseguir, um dia, sermos visto como gente. É insistindo e sendo chato mesmo que nós poderemos ser levados a sério. Soa agressivo? É para soar mesmo.

Nós existimos. Nós importamos. Eu quero ver casais gays porque eu tenho amigos gays e eu quero que eles se vejam na novela que assistem. Eu quero ver beijo gay, sim, e quero beijo, quero sexo, quero relacionamentos de todas as formas. Eu quero ver assexuais sendo retratados sem motivo de pilhéria e eu quero ver casais que sejam poliamor que sejam levados mais a sério. Eu quero ver mulheres como eu, mulheres que não são brancas e que não são heteros, como líderes de suas histórias, não como material masturbatório para caras. Eu quero ver mulheres transgêneras porque eu quero ver pessoas como minhas amigas lá, tendo suas histórias pessoais, sem serem piada porque minhas amigas não são piadas. Eu quero ver representação de todo tipo. É um passo? Sim, é. É pouco diante do que precisamos? Claro que sim. Mas deve ser ignorado?

Absolutamente não.
Diante de tantas notícias ruins... mesmo algo pequeno é motivo o suficiente para comemorar.

E se você não entende isso, bem, o choro é livre.
comemorando com essa fanart porque ela é tão AWNNN (foi feito pela pessoinha dona do tumblr Kury Harune)



quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

meus dois centavos sobre as radfems

Hi! <3

Eu sei que fazem quase dois meses que não tem um post decente minimamente elaborado pela minha pessoinha e as razões são
a) eu meio que tirei férias no recesso natalino
b) eu meio que tinha coisas pra fazer
c) eu estava de saco cheio de ficar falando sobre feminismo, ativismos, etc

(adivinha qual está mais correta? bingo)

Maaaaaaaaaaaas dia 29 é dia da visibilidade trans e como uma amiga amorzinho já tinha mesmo me pedido para escrever sobre transfeminismo e feminismo radical, acho que vou aproveitar e tentar fazer algo pra aproveitar a vibe.

Eu estava de saco cheio por falar nesses assuntos porque eu sinto que estou constantemente me repetindo em coisas óbvias. É óbvio que o feminismo é plural. É óbvio que mulheres sofrem uma carga de misoginia vinte e quatro horas. É óbvio que existe racismo. É óbvio que existe homofobia. É óbvio que existe transfobia-OH WAIT aí cê cria uma "divergência teórica" dentro do movimento feminista. Porque agora transfobia virou diferença de opiniões. Porque agora transfobia é apenas uma teoria diferente. Bem. Temos um problema aqui, minhas lindas ~irmãs~ do feminismo.

Eu não vejo necessidade de explanar sobre o que é transfeminismo quando Hailey já o fez lindamente [link ~~aqui~~], então bora ler o link da coleguinha para aprender os conceitos básicos e absorvê-los no nosso DNA, e então seguir em frente <3

Toda vez que vejo algum conflito entre as correntes "transfeminismo" e "feminismo radical", eu fico refletindo sobre como é possível brigarmos por exatamente os mesmos motivos pelos quais brigamos com "pessoas cristãs que defendem Bolsonaro": por insistirem que determinadas pessoas não podem ser consideradas pessoas com direitos, por demonizarem uma classe inteira, por criarem uma propaganda absolutamente ridícula em cima de pessoas que estão em óbvia desvantagem. Sim, eu estou olhando para vocês, radfems, que insistem que mulheres trans são estupradores infiltrados entre mulheres para melhor ter chance de atacá-las. Sim, eu estou dizendo que eu discordo de vocês e, mais ainda, que eu odeio e desprezo essa linha de pensamento.

Eu não vou ser uma idiota e afirmar que não é importante falar sobre algumas coisas que o feminismo radical fala, como questionar o que queremos dizer com "consentimento" (e acabar com essa ideia de que "consentimento é sexy" e propagar mais a ideia de que "consentimento é o mínimo") ou sobre como devemos desmantelar a indústria pornográfica. Mas, amores, isso não dá passe livre à vocês para saírem chamando mulheres trans de "machos" ou tratando-as agressivamente no masculino. Eu não quero saber das coisas boas que vocês trazem: nós temos capacidade de fazer elas. Não precisamos de transfobia para questionarmos o papel da indústria pornográfica ou tentar entender os mecanismos que regem o mundo da prostituição. Não precisamos agredir mulheres para proteger outras mulheres. Não precisamos diminuir pessoas para conseguirmos nos articular.



Acredito que a partir do momento que uma pessoa se declara feminista, no mínimo ela deve ter consciência do que a palavra significa. Para mim, feminismo se trata não apenas de começar a me irritar com meu gênero sendo retratado de maneira nojenta e abusiva na mídia em geral ou começar a relacionar mulheres mortas por namoradas com glamourização de relacionamentos abusivos em novelas e ensaios fotográficos de moda. O feminismo também significa, pessoalmente, sobre ver outras mulheres não como rivais prontas a me crucificarem assim que abaixasse a guarda ou como pessoas tolas e fúteis que só sabem falar de sapatos e namorados, mas ver essas mulheres como pessoas. Pessoas que são legais, inteligentes, interessantes, falsas, mal-humoradas, gentis. Pessoas que podem ser minhas amigas e me acolherem em momentos ruins, pessoas que podem me odiar e foder minha vida totalmente. Pessoas. Pessoas que estavam em uma situação desfavorável, pessoas que experimentavam um tipo de violência específico só por serem mulheres.

Em suma, o feminismo me permitiu desenvolver meu senso de empatia para com outras mulheres.

Eu confesso que sou extremamente ignorante sobre teorias acadêmicas. Minha conversa aqui com vocês é retirada de blogs, tweets, opiniões e, principalmente, vivências. Coisas que eu vi, coisas que eu soube, coisas que aconteceram. Não sou uma pessoa estúpida. Apenas não sou acadêmica, não sei quem é quem na fila do pão feminista e, principalmente, não acho que isso agrega valor à carteirinha de feminista de alguém. Eu não me importo se você discorda de mim nesse quesito. Realmente eu não estou nem aí: faça o que quiser, ironize os blogzinhos e exija que todas as feministas leiam Germaine Greer ou Andre Dworkin. Estou nem aí. Eu sei que estou fazendo o certo.

Estou certa e tenho tanta certeza disso quanto temos certeza de que dois e mais dois é igual a quatro.

Não sei muito bem sobre como o feminismo radical lida com prostitutas (apesar de que nunca ouço coisas muito boas), mas eu sei como vocês lidam com mulheres trans. Ninguém me contou, ninguém me mandou print, ninguém me chamou num canto e disse algo como "luna, cê não sabe da última...". Não. Eu vi. Eu vi as páginas de ódio. Eu vi os fragmentos de textos de feministas teóricas. Eu vi um post gigante de uma moça que tentava se justificar dizendo que não era transfóbica. Eu vi a maneira como vocês chamam as mulheres trans, usando prenomes masculinos em tom debochado. Eu vi o texto original que Nádia Lapa publicou trocentos anos atrás cheio de transfobia que apagou depois. Eu vi a discussão que Lola fingiu que não viu em seus comentários. Eu vi os "prints" que vocês tiraram para "comprovar" que mulheres trans eram "machos". Eu não preciso ler nenhuma teoria para saber que vocês são um bando de gente escrota. Sim, eu disse isso. Sim, eu sou cis. Sim, eu não ganho nada tendo essa opinião. Acontece que, para mim, entender que existem pessoas trans e que elas sofrem por serem quem são é uma questão de decência. É uma questão simples:

existem ~mulheres~ e existem ~homens~
existem pessoas negras e pessoas brancas e asiáticas e etc
existem heterossexuais homossexuais bissexuais pansexuais assexuais
existem gente rica pobre sem um real na conta
e existem
gente que é transgênera (e existe uma grande variedade de pessoas que se encaixam nessa definição, seja o clássico caso que sempre aparece na TV de "pessoa-que-sente-que-nasceu-no-corpo-errado-e-quer-fazer-cirurgia", seja pessoas que não se sentem de gênero algum, designando-se pessoas não-binárias, entre outros casos)
e gente que não é transgênera, ou seja, cisgênera

aí as pessoas se misturam: você pode ser mulher e trans, ser homem e negro, ser negro rico trans, ser asiática mulher lésbica etc. Enfim. Muitas variações (e isso é legal! diversidade é legal! (⌒▽⌒)☆)
Sei que quando minha amiga me pediu por esse post, provavelmente ela tinha em mente um texto mais formal no qual eu explicasse claramente as diferenças entre transfeminismo e feminismo radical. Provavelmente ela pensou em algo que eu não saísse xingando um monte de gente. Mas, veja bem, ninguém melhor para explicar o transfeminismo do que uma pessoa trans, diretamente envolvida, e eu já dei o link para isso. Eu não sei explicar o feminismo radical e suas teorias, só sei explicar a maneira como vejo suas ativistas e como elas afetam minha visão do feminismo dela. Eu vejo como pessoas que me são queridas são atingidas por elas. Eu só sei sentir a minha própria frustração e decepção com o movimento do qual faço parte. Eu só sei explicar que fico constantemente desapontada com o silêncio das feministas diante de mulheres trans que são agredidas dentro do próprio movimento.

Eu me recuso a acreditar que é "ignorância". É má fé. Vocês não são garotas tolas brincando de feminismo. Vocês tiveram paciência de sentar e compreender Simone de Bouvair. Vocês tem acesso à internet (e, se depender do que eu já vi de vocês - eu vi, não ouvi falar - vocês são estupidamente elitistas, exigindo que todos tenham tempo, paciência e bagagem intelectual para absorver os livros que vocês acham digno e jogam apenas "tá na internet!" "joga no google!" para qualquer um que diz não ter acesso), vocês tem como lerem um monte de teoria feminista e, sobretudo, vocês tem o GOOGLE! Em menos de dois minutos, vocês acham uma série de notícias que fazem cair por terra qualquer "argumento" esdrúxulo que vocês tenham para justificar que mulheres trans são, na verdade, conspiradoras malignas servindo ao grande Chuck Norris e seus comparsas mascus.

(eu realmente não consigo acreditar que é sério que vocês acham que mulheres trans são estupradores disfarçados. tipo, sério. essa galera sofre um puta preconceito, perde mil empregos, é expulsa de família, em um percentual bem alto é forçada a ficar na rua fazendo programa, é negligenciada pelo sistema de saúde, é sexualizada pra caralho, tudo isso pra supostamente estuprar mulheres cis. quando poderiam fazer isso perfeitamente se, por acaso, vivessem como homens cis perante à sociedade. FUCK LOGIC)

Em menos de dois minutos. Vamos lá?

travesti morta (418.000 resultados)

Só isso. Sim, exatamente, não demorou cinco segundos para eu achar todas essas notícias de travestis que foram mortas (experimentei digitar "homem morto" e "branco morto" só pra checar e, bem, são notícias bem variadas: acidentes, brigas, etc. Mas "travesti morta" invariavelmente dá em notícias de assassinato. Se eu fosse boa no inglês, traria diversos links mais diversos sobre estupros, assassinatos e suicídios de pessoas trans em diversas situações.)

Sensacional, não é?

Uma vez tive o prazer de conversar com uma garota que era radfem. Ela estava me explicando algumas coisas sobre o movimento, visões dela, etc. Eu nunca vou esquecer de quando ela me disse que se pessoas cis tinham o privilégio de usarem o banheiro sem constrangimentos (um dos exemplos que citei), então mulheres trans tinham o privilégio de não engravidar porque possuíam um pênis. Nunca vou esquecer disso, porque é uma distorção gigante, bizarra, esquisita e ridícula. É ignorar completamente o contexto do simbolismo do pênis e "não-poder-engravidar" quando se é uma mulher cis e uma mulher trans. É ignorar que mulheres trans são tidas como anormais e exóticas justamente por terem um pênis. É "esquecer" que o fato de não poderem carregar em seu ventre um bebê faz com que elas sejam consideradas "menos" mulheres ou, justamente, "homens" se passando por "mulheres".

E aqui está um ponto que eu critico nas feministas radicais brasileiras que vivem na internet hoje em dia (digo essa classe especificamente porque é com quem tenho contato): parem de polarizar o mundo como se isso aqui fosse uma guerra de sexos. Como se todas as mulheres fossem iguais e todos os homens iguais, como uma única classe dominando a outra. Como se não houvesse questões de classe, cor, orientação sexual. Como se não fosse um intricado quebra-cabeças. Não é porque uma mulher trans tem um pênis que ela é um inimigo, porque o pênis em si não é um inimigo, simplesmente porque embora a gente viva em um mundinho que mil culturas idolatram o falo como órgão supremo da vitalidade e sei lá mais o quê (que o diga o parque com estátuas em forma de pênis da Coréia do Sul), ainda assim a simbologia que ele carrega só pode vir junto de um homem. Simbolos de masculinidade (barba, por exemplo) só são valorizados quando é um homem que os porta. Em uma mulher, é o contrário: ela é tida como estranha, repulsiva, nojenta e totalmente não-atraente e, então, como uma curiosidade de circo, ela é fetichizada.

Além disso quando feministas radicais argumentam que "mulheres trans estão tentando forçar lésbicas a transarem com elas, lésbicas que tem horror ao pênis", eu - como cis - me questiono o quão disso é sensato. Novamente, falo do que vi: mulheres trans que questionam o conceito de "ser mulher = ter vagina, útero, etc" e, portanto, a própria ideia que lésbica que é lésbica não suporta o pênis e/ou só "come buceta". Quando elas apontam que rejeitar uma pessoa por conta dos genitais é, basicamente, resumir ela aos genitais (e, ora bolas, é), cria-se uma confusão dos diabos como se

"cara, não é legal você ficar 'ai que nojo, ela tem pênis', porque o corpo dela não é nojento, bora refletir isso e trabalhar mais sobre como nos relacionamos com genitais como se eles fossem, tipo, a coisa que mais determina nossa atração sexual" fosse a mesma coisa que "cara você TEM que transar com ela senão você está sendo transfóbica"

Eu entendo que a vulva, vagina, clitóris e todas essas coisas que compõem os genitais de uma mulher cis são ojerizados e tidos como "feios", "estranhos" e, no mais suave dos termos, "misteriosos" e que há uma grande tentativa de valorizar tais partes do corpo, celebrá-las como belas e prazerosas. Não sou contra, inclusive apóio. Mas eu acho que não é necessário antagonizar o pênis, especialmente os das mulheres trans, nessa celebração. Ainda mais: eu acho bizarro que mulheres trans tenham suas identidades apagadas e personalidades ignoradas para que as pessoas só consigam focar no bendito pênis e então começarem a dizer sobre o quão elas são machos estupradores. É esquecer que elas são pessoas. Pessoas como eu e pessoas como você. Elas tem sentimentos, e elas estão vulneráveis. 

Quando vocês falam de mulheres trans como se elas fossem estupradores, esquecem que elas estão, assim como mulheres cis, sujeitas à situações de abuso. Grande parte das mulheres transgêneras (não sei exatamente a porcentagem) é forçada a viver na prostituição e isso significa que a exposição aos estupros, fora as inúmeras situações de assédio sexual, verbal e físico, aumenta em nível alarmante. Por não conseguirem arrumar empregos (porque ninguém quer uma pessoa trans), e isso significa que não conseguem uma renda própria, então elas não tem nenhum tipo de segurança financeira ou psicológica. Eu me pergunto como, raios, vocês conseguem ser tão cruéis com pessoas que o mundo já se encarregou de chutar o quanto for possível. Como vocês podem ser tão ruins com mulheres trans que decidiram se articular em prol de si mesmas e conseguirem lutar por direitos, por uma sociedade que as trate como gente. Como vocês podem ter a ousadia de excluirem essa classe de um movimento que deveria acolhê-las, por questão de princípios.

Eu não quero soar a mulher cis que se pôs como a grande defensora sei lá o quê. Não sou. As mulheres trans são perfeitamente capazes de falar por si mesmas, com textos muito mais bem articulados que o meu, com conhecimento de causa muito, muito maior do que o meu. O site Transfeminismo vai compilar textos de mulheres trans especialmente para esse dia, e eu realmente espero que você leia. Qualquer texto delas sobre tal assunto vale dez, vinte, cinquenta textos meus sobre a mesma coisa.

Eu quis falar essas coisas primeiro porque eu disse que faria, e segundo porque eu precisava falar. Porque eu precisava organizar minhas considerações sobre o que conheço do feminismo radical e do porquê eu não curtir essa vibe. A minha voz é uma. Minha opinião não pode substituir a de nenhuma mulher trans, então - se você quiser compartilhar textos sobre transfeminismo, pautas desse movimento, privilégios de ser cisgênero, etc - sério, use fontes de pessoas transgêneras. Divulgue a voz de quem é diretamente afetada.

Encerro aqui.
Não sou sua irmã, radfems.
Não me chamem de irmã.

Apenas deixem minhas amigas em paz.

(sim, levei pro lado pessoal)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

desejando purpurina na vida de vocês porque sim

Hi <33
Eu sei que estive absolutamente ausente nesse dezembro (por motivos de força maior), mas ainda assim eu gostaria de dizer que exatamente hoje, nessa ilustre data, esse blog adorável completa um ano de existência. Eu fico muito, muito feliz de ver que tantas pessoas gostam desse blog, e mais feliz de ver que tem pessoas que encontram nele um espaço de conforto e segurança. Confesso que até gostaria de escrever mais, talvez a ritmo de um blog mais profissional, mas me falta saco para falar de feminismo ou racismo ou transfobia ou qualquer coisa do gênero o tempo todo. Até houve um tempo que eu faria isso vinte e quatro horas por dia, mas eu sinto que fazer isso afeta seriamente a minha sanidade mental - e o conselho mais sábio que Renata (a Mol) já me deu foi de eu pôr minha saúde mental em primeiro lugar. Então eu escrevo quando dá, quando a pauta é interessante, quando me incomoda não escrever e escrevo para conseguir articular minhas próprias ideias de uma maneira minimamente coerente.

Não há absolutamente nada nesse blog que eu considere imutável. Claro, acredito eu que nunca mudarei de feminista para uma defensora fervorosa dos ideais cristãos, mas eu acho que preciso sinalizar isso de vez em quando: esse blog é sobre construção de ideias. É sobre mim, sobre meu mundo, sobre minha realidade e sobre as minhas amigas. É um blog onde eu escrevo para transmitir o que eu estou pensando e o que estou achando que é melhor naquele momento. Tem ideias específicas dentro do feminismo que ainda não tenho um conceito claro e definido. Até porque eu sou uma pessoa em construção - e meus textos vão refletir isso. Não sou uma pessoa acabada, e eu peço à vocês para não tratarem minhas opiniões como coisas que estão definitivamente "certas" para mim, coisas que eu nunca mudarei de ideia.

Eu fico imensamente grata por todo o apoio que vocês tem me dado. Eu fico feliz com cada comentário, positivo ou não, cada compartilhamento, cada vez que alguém diz que quer conversar comigo sobre algo sobre o qual falei.

Cansei de dizer que eu nunca tive "haters" ou pessoas perdendo seu precioso tempo para me xingar, como já ocorreu com algumas das minhas amigas e outras feministas mais famosas também. Fico feliz por isso - que eu tenha recebido mais amor e carinho do que propriamente ódio e raiva. Não sei qual é a mágica que me faz não ter uma fileira de gente falando mal de mim, talvez eu apenas nunca chamei nenhum seguidor estúpido de Danilo Gentili para briga ou eu mesma não sou exatamente uma pessoa polêmica, mas percebo que ter esse tipo de reação extremamente comum é extremamente estressante e desanima - porque é difícil se animar a escrever longos textos ou apenas falar a respeito quando você sabe que pessoas mal lerão seu texto antes de partirem pra cima de você. Acredito que o fato de ter tantas pessoas positivas ao meu redor - na vida presencial e na online - me motiva a ser uma pessoa mais gentil e simpática com vocês, inclusive :33

O que eu desejo para 2014? Eu não sei exatamente.

Para o blog, não desejo nada de especial. Não tenho planos de transformá-lo em algo profissional, porque eu não tenho tempo nem competência para tanto. Tem gente que consegue, acho lindo, acompanho, etc. Mas é preciso muita disposição, muita criatividade, muito empenho e muito tempo - e eu não tenho nada disso, e o que eu tenho prefiro focar em outras coisas como minha faculdade e outros projetos paralelos. Mas há coisas que eu desejo para vocês:

Eu desejo para vocês mais auto-estima, mais amor por si mesma, mais paixão pelos seus corpos - e no caso das mulheres trans, menos disforia (não sei se a palavra pode ser usada para mulheres cis, então preferi especificar). Eu imagino o quão difícil é quando a nossa aceitação é tão vinculada com aceitar os nossos corpos, mas eu desejo isso à vocês: que vocês terminem 2014 amando mais quem vocês são do que amavam em 2013.

Eu desejo para vocês maior força e resistência. Não acredito que o mundo magicamente se tornará menos racista ou misógino, então eu só posso desejar à vocês melhores condições psicológicas de suportarem as agressões que ainda vão vir. Que vocês consigam ter resistência o suficiente para não se deixarem curvar e força o bastante para revidarem o quanto for possível.

Eu desejo grana - vamos ser honestos, grana é fundamental. Paga tudo que precisamos minimamente para vivermos em boas condições.

Eu desejo uma internet rápida e que baixe torrents decentes, e séries lindas e maravilhosas e que possamos shippar mais e mais casais sem julgamentos.

Eu desejo que você tenha amor - não necessariamente o amor romântico - de pessoas namoradas, amigas, familiares. Eu desejo que, nesse ano, sua família te julgue menos por sua orientação sexual, que você se aceite melhor por não ser o melhor que você imaginou que conseguiria ser segundo padrões falhos, que você sinta menos culpa de não ser a mãe empresária esposa mais fodona do mundo. Eu desejo mais videoclipes decentes e, pelo amor de deus, eu desejo que Christina seja vista trabalhando e fazendo mil coisas.

Eu desejo bastante sexo feliz se você é uma pessoa que gosta de sexo e eu desejo que você não seja perturbada, incomodada, assediada, agredida, estuprada se você não está afim, se não gosta, se etc. Eu desejo que o departamento "sexo" esteja ok para você esse ano, independente de você ser uma pessoa que prefira orgias ou apenas seja assexual.

Eu desejo apenas isso:

que esse ano termine sendo mais positivo do que negativo para vocês.

Porque esse ano terá coisas negativas. O mundo não deu um reset e ressurgiu hoje - ele apenas continuou. O Reveillon é mais simbólico que qualquer outra coisa - mas isso não significa que não seja legal. Então eu realmente desejo isso à vocês: que vocês consigam lidar com as coisas negativas e que valorizem as positivas. Que 2014 seja um ano que você não queira apagar da sua vida <33

E feliz 2014! (◡‿◡✿)