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sábado, 13 de abril de 2013

Meu ateísmo não é mais político

Esse tipo de frase é bem empoderador para quem está assumindo seu ateísmo (e sempre se sentiu preso ao cristianismo). Eu entendo cristãos se ofenderem com esse tipo de afirmação, mas eu peço a vocês que entenda o lado de quem tenta verbalizar esse sentimento (mas ainda acho que não precisa pichar no portão de ninguém)

Uma das minhas posições mais controversas não é ser feminista. Não é ser a favor do casamento igualitário ou nem mesmo ser a favor das cotas raciais. Boa parte das pessoas compreendem isso tranquilamente, e compreendem minhas motivações. Eu acredito, hoje, que a posição que eu tomo que é a mais controversa é a de ser atéia. E é ela que me deixa mais confusa.

Vejam bem: quando me tornei atéia, eu não fazia idéia de que milhares de pessoas viam essa escolha como algo político. Eu sequer sabia que tinha algo de errado em não acreditar em deus algum. Descobri isso mais tarde. Eu não sabia que era errado, para as pessoas, questionar as religiões. De modo que eu questionava pontos do cristianismo e eu recebia reações negativas, mas nunca achei que isso era algo errado. Eu nunca considerei que era importante ser uma pessoa espiritualizada ou algo assim. Nunca passei pelo período de me sentir culpada porque não acreditava em nada. Para mim, desde sempre, não acreditar em algo sempre foi tão legítimo quando acreditar.

Apenas mais tarde quando eu disse abertamente que não acreditava que eu percebi o quão eu podia ser qualquer coisa, menos atéia. Que eu podia ser, nas palavras dos meus colegas, uma "piriguete" ou ser péssima aluna, ou me recusar a dar a cola nas provas, enfim, eu podia ser qualquer coisa que eles ainda me aceitariam. Eu só não podia não acreditar em deus. Já tive colegas me cercando e gritando comigo sobre como assim, eu não acreditava em deus, e aquilo serviu para me mostrar que eu precisava de algo mais sólido para defender minha posição. Foi a partir desse ponto que eu comecei a transformar meu ateísmo em algo mais político, mais ideológico.

Hoje, poucos anos depois, eu ainda considero o ateísmo como uma boa escolha. Ele me permitiu me distanciar das religiões e dos seus dogmas que mais me aprisionavam em coisas absurdas do que me libertavam, me deu liberdade para eu tomar as outras ideologias que eu quisesse (ser feminista, por exemplo), sem precisar me preocupar em conciliar coisas que se contradiziam. Eu imagino como feministas católicas ou muçulmanas precisam constantemente andar entre uma religião monoteísta e com preceitos claramente machistas e uma ideologia que combate esses preceitos, e de como elas conseguem conciliar os dois. Acho admirável que alguém consiga fazer isso, mas não é algo que eu faria. O ateísmo me deu toda essa liberdade.

Além disso, as pessoas tem a impressão de que as pessoas atéias, por serem atéias, conhecem toda a ciência de cabo a rabo e tem todas as explicações do mundo desde o Big Bang até porquê os macacos não evoluíram junto com os seres humanos e, bem, isso me forçou a me interessar mais por ciência e suas explicações. De certa maneira, eu ser atéia (e a reação negativa que as pessoas tiveram com isso) acabou me forçando a me instruir mais em áreas do conhecimento humano como, por exemplo, biologia. Ou seja: o ateísmo, como um todo, teve consequências positivas para a minha vida.

Eu não compartilho da crença de que os ateus são naturalmente mais inteligentes do que qualquer outra pessoa que acredite em deus. Primeiro, porque eu acredito que a inteligência depende de uma série de fatores e que nenhuma delas tem a ver com acreditar em entidades divinas ou não. Segundo, porque é uma espécie de generalização grande demais e um tanto burra. Porque isso significa presumir que toda a humanidade até os dias atuais é burra, e que todo o conhecimento já produzido por cristãos é de menor valor do que o produzido por ateus. Terceiro, porque seria mentira dizer que a religião (de forma generalizada) só causou malefícios à humanidade. Isso não é verdade. Eu posso defender muito bem que hoje, nos dias atuais, no século XXI, que o cristianismo está mais prejudicando do que beneficiando (vide o Papa e o Vaticano, as igrejas neopentecostais que, inclusive, enviam missionários para cidades miseráveis no continente africano apenas para evangélizá-los, entre outras coisas). Eu defendo essa posição claramente e isso não é segredo para ninguém. Mas afirmar que a Igreja Católica, por exemplo, só trouxe desgraça ao mundo é até mesmo de má fé.

(provavelmente eu já disse isso em algum momento de raiva ou talvez não tenha me expressado direito, porém sempre se pode mudar de opinião)

Hoje em dia eu não gosto muito de dizer que "compartilho do ateísmo" devido a essa espécie de ateus que fazem questão de reafirmarem suas posições com mais ódio ainda. Eu entendo o lado deles e eu entendo que se eles tivessem sido deixados em paz quando decidiram ser ateus, provavelmente não seriam assim. Se eu tivesse sido deixada em paz, eu provavelmente não me importaria tanto assim com as religiões, em geral. Mas, ainda assim, você escolhe a forma que vai reagir contra seus "adversários", por dizer assim. Você escolhe afirmar que ser cristão é ser burro. Você escolhe compartilhar imagens sarcásticas produzidas pela ATEA se dizendo superior apenas porque você não acredita em deus. Você escolhe passar essa imagem raivosa.

Mas, meu amor, ser ateu não te faz melhor que ninguém. Assim como ser feminista não livra uma pessoa dos outros preconceitos. Não existe nenhuma posição ideológica que garanta à alguém uma evolução espiritual automática. A única maneira de você ser uma pessoa legal é você ser uma pessoa legal.

Eu fico muito desapontada ao observar garotos ateus sendo extremamente misóginos, se posicionando contra cotas raciais de uma forma extraordinariamente racista, entre outras coisas, e de todas as posições ideológicas que já vi, o ateísmo é um dos que mais permitem esse tipo de comportamento. Porque o ateísmo é apenas a não-crença em nenhuma divindade. O resto vem de nós. Eu optei por juntar meu ateísmo ao feminismo, ao transfeminismo, ao movimento LGBT. Mas outros ateus são apenas ateus e suas merdas proferidas não diferem de Feliciano ou Bolsonaro.

Por ver todas essas coisas, acabei retraindo. Houve uma época que meu ateísmo se tornou político. Que se tornou algo pelo qual sou apegada, algo pelo qual achava que valia a pena lutar mais do que qualquer outra coisa. Mas hoje, eu me dou ao direito de mudar de posicionamento e redefinir minhas prioridades. Eu continuo sendo atéia e eu continuo defendendo o meu direito à não-crença (o que significa ser contrária aos partidos religiosos, ao crucifixo na Câmara, ao "Deus seja louvado" nas cédulas). Eu vou continuar a me ofender se você me obrigar a rezar com você. Mas meu ateísmo não é mais político. Ele é uma descrença minha, apenas minha, e não acharei mais que ela é qualquer tipo de libertação para qualquer pessoa. Eu continuarei fascinada pela ciência e por suas ramificações, mas eu simplesmente não erguerei mais o dedo para defender o ateísmo como ideologia - não quando ele está impregnado de pessoas machistas, racistas, transfóbicas e com um estúpido senso de superioridade, com as quais não quero ter nenhum tipo de contato.


4 comentários:

  1. Gostei tanto daqui que já estava chegando nos posts de fevereiro quando resolvi parar e comentar aqui certinho, rs. Seu blog é muito bom! Gostei de mais da sua escrita (e da argumentação, claro).

    Nesse caso todo de religião, ah, é complicado. Minha família é bem católica e frequento à missa desde muito pequena. Fui batizada e crismada, como manda o protocolo. Só que quanto mais eu amadurecia, mais eu começava a questionar as ações da igreja. E isso deixa minha mãe chateada. Acredito que existe uma força maior no universo, não propriamente o Deus católico, mas não comento sobre isso em casa. Pessoal aqui sabe que eu já não enxergo a igreja como antes e para evitar conflitos fico na minha. Não me considero ateia ainda, mas tbm já não me identifico com o catolicismo.

    E, assim, tem pessoas intolerantes em qualquer lugar. Nas igrejas que pregam amor ao próximo, no estado (que deveria ser) laico... enfim. :)

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    1. Finalmente respondendo direitinho:

      Primeiro, obrigada! Eu fico muito, muito feliz de agraciar vocês com meu estilo e argumentação hahaha. Me sinto muito estimulada <3

      Sim, religião é um tema tão complicado, não é? Porque quando as pessoas acreditam, elas se atrelam naquilo tão pessoalmente que quando alguém questiona, é uma ofensa à pessoa, não à crença. Nasci em família católica também, mas sem rigidez nem nada. Nunca fui obrigada à nada, então não posso avaliar como você deve viver sem poder falar o que pensa em sua família =/

      Apenas boa sorte! ^-^~

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  2. Respostas
    1. Me sinto uma cretina quebrando corações, mas.........
      ........não hahahahahaha <3

      Casamento, pra mim, só amando demais a pessoa hahaha

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Se você for amor, tome um chá, sente no sofá, tire uma soneca, fique à vontade que a casa é tua. Se você não for amor, inclusive sendo homofóbico, misógino, transfóbico, racista, etc., eu excluirei sua postagem. Sim, porque aqui é ditadura da minoria e as pessoas que me amam e/ou me lêem não são obrigadas a lerem sua merda. Então pense duas vezes :)