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quinta-feira, 14 de março de 2013

sendo uma cissexual no transfeminismo

frase sábia do dia. assimilem-a como um mantra ok

Eu já falei sobre o que ser uma cissexual e de como devemos reconhecer os nossos privilégios cis aqui, no Pernície, e já falei sobre como eu me recuso a ter um tipo de feminismo que não tente ser inclusivo aqui. Mas nunca adianta: você tem que repetir a mesma história. Você tem que reforçar a sua mensagem.

Eu espero que você já esteja aqui sabendo do que é ser uma pessoa cis. Se você não sabe, leia meu post de Pernície. Ou acesse o blog do Transfeminismo aí do lado. Eu espero que você esteja aqui já ciente de que existe uma divisão entre as categorias "cis" e "trans" na sociedade e que existe mil e uma tretas dentro do próprio feminismo, por conta disso. A história é o de sempre: opressores oprimindo oprimidos. Mas aqui rola um negócio que eu, pessoalmente, acho degradante para o próprio movimento: minoria oprimindo outra minoria. Porra. Botem a mão na consciência e reflitam sobre a merda que vocês estão fazendo. Vocês estão fazendo mais do que se negarem a reconhecer seus privilégios, mas estão sendo deliberadamente e propositalmente transfóbicos.

Eu, como uma mulher cis que vive nessa sociedade há dezenove aninhos (♥), tendo a achar isso super bizarro. E super escroto. Por razões de:

a) Há um xingamento que as pessoas trans* utilizam, chamado "cis scum". Significa basicamente "escória cis". É tipo um... "porco chauvinista" (um xingamento das mulheres direcionado para homens). O negócio é que assim como nem todos os homens são porcos chauvinistas, nem todos os cis são "cis scum". Mas eu vejo uma galera cis que tá me constrangendo pra caramba dizendo aos quatro cantos que são chamados de "cis scum" ~~~apenas~~~ por serem cis. AMOR, SE VOCÊ JÁ FOI CHAMADA DE CIS SCUM, É PORQUE TU FOI TRANSFÓBICA PRA CARALHO. Pronto. Conviva com isso. Não faça a vítima.
 
créditos na imagem.
b) Eu d e t e s t o um padrão de comportamento muito mais comum do que eu gostaria: se vitimizar. É uma tática recorrente. Todo mundo usa. Seja nos relacionamentos pessoais, seja nos movimentos sociais, ela é usada o tempo todo. Sabe quando você briga com a sua irmãzinha mais nova porque ela mexeu nos seus livros sem sua permissão e aí ela faz aquela cara de choro e começa a dizer o quão ruim você é, a maltratando? Sendo que ela sabe que não pode mexer na droga dos seus livros? Aí vem mamãe e papai defenderem ela porque, poxa, você é muito ruim de não ter deixado a sua irmãzinha mexer nos livros sem você deixar!!!! Bem, aumente isso muitas vezes. Já que estou escrevendo isso para a galera feminista cis, imaginem uma cena no qual os homens fazem alguma merda e vocês chamam atenção, e então os homens começam a reclamar sobre como eles são tão bons e gentis e caridosos, e como só querem abrir a porta do carro e levar flores, mas as mulheres não reconhecem isso? E então nós temos que aturar os homens se vitimizando, declarando a si mesmo como as maiores vítimas do malvado e perverso feminismo? Cara, dá pra seguir a lista com um milhão de coisas. Gente choramingando porque não se pode mais falar que gays são nojentos sem levar patada. Gente choramingando que agora não tem mais uma empregada doméstica pra explorar.

E................

... gente se fazendo de vítima, se denominando "pobre cis lixo" como se fossem as reais vítimas da história. Cara, eu fico com uma puta vergonha alheia de ver uma galera toda se vitimizando, querendo dizer que "já sofri bullying ameaça tem print screen!!!!". Ser criticada não é sofrer bullying. Bullying é uma coisa seríssima. Se você fez merda, se você ofendeu uma minoria inteira, o mínimo que você vai ser é ser rechaçada por todo mundo. E você mereceu isso, então cale a boca antes de falar que é bullying e tirar o poder de uma palavra com tanto peso.

c) Uma das grandes coisas que existe no mundo e que eu acho que todos devem praticar muito, tipo MUITO, é humildade. Humildade não significa você se achar uma pessoinha insignificante. Humildade significa você saber calar a boca e ouvir. Não há pior coisa do que todo mundo tentando adivinhar como você se sente e como você deveria se sentir. Tem uma pá de homem dizendo pra mim e pra outras feministas como nós deveríamos agir e quais deveriam ser as nossas prioridades. Há uma galera que é branca que acha que tem o direito de dizer se a pessoa negra deve se sentir ofendida ou não diante de cada notícia. Ou ainda pior, sempre vem com um "AH MAS ME CHAMAM DE BRANQUELO SOFRO RACISMO TB". Amor, se é pra falar merda, cale a boca. Ninguém te perguntou nada. Se você faz parte de uma classe que, por acaso, oprime outra, você tem que ter mais humildade. Tem que ter consciência de que rola uma opressão aí e se você diz que você está certo e silencia os outros, cara, você está colaborando com essa opressão.

Você não pode dizer a ninguém como ela deve sofrer. Você não tem o direito de definir pauta nenhuma dos movimentos dos outros. E se você faz parte de uma classe opressora (é branco, homem, hetero, cis, etc), você tem todo o direito e o dever, inclusive, de apoiar e entender e lutar a favor, sim, mas não tem o direito de se apropriar de um discurso da minoria. Eu, como uma cis, não tenho o direito de falar pela galera trans*. Eu posso apoiar, entender, ouvir e colaborar para que a transfobia diminua. Eu posso divulgar as pautas principais. Mas somente xs trans* e APENAS xs trans* podem falar por si. Se eu falo uma merda e xs trans* dizem que foi uma merda transfóbica, eu tenho que entender isso. Não sou eu que estou sendo criticada, alvejada, ameaçada todos os dias por ser trans*. Sabe, as pessoas trans* já tem uma carga muito pesada de preconceitos e discriminações para uma pessoa que se diz feminista ainda se negar a validá-las até mesmo como gente.
 
Sobre como os "aliados" nunca devem se comportar. Fonte: legalizetrans

d) O maior problema que as feministas cis estão encontrando é de perceberem que "mulher" não é a única coisa que as definem. Ser mulher não é tudo que somos. Nós somos todos uma soma de fatores como a nossa identidade de gênero, classe social, orientação sexual, religião, deficiências (desde uma singela miopia até uma paralisia física), cor de pele, etnia, lugar em que nasceu, lugar em que viveu. Tudo faz diferença na forma como nos portamos e vemos o mundo. Quando uma pessoa lhe diz que você é privilegiada por cis, ela não está dizendo que você é privilegiada por ser "mulher" e sim por ser cissexual. Isso quer dizer que a sua identidade de gênero não precisa da validação de ninguém. Não resuma a situação dizendo que "nope, não sou privilegiada por ter uma vagina!!!". Ninguém está falando que você tem o privilégio de ser uma mulher. O que as pessoas estão falando é que o seu privilégio é de ser cis. Só isso.

Uma coisa tão boba e faz toda a diferença do mundo.

e) Conclusão final: eu queria ser muito mais ponderada e racional e desenhar bonitinho para as feministas cis entenderem direitinho o argumento. Eu, como uma cis, consigo ter uma paciência profunda que trans* não tem, e não tem obrigação de terem. Até porque eu, sendo mulher, não tenho obrigação nenhuma de ter que ser um amor de pessoa com os caras chatos que acham um absurdo eu me sentir ofendida pelos machismos imbecis. Mas eu meio que não consigo, porque eu acho isso tão simples. Uma coisa tão fundamental que se chama Direitos Humanos, uma coisa tão bonita chamada bom senso, essas paradas meio malucas aí que faz com que a gente possa conversar de boa, sabe? E eu posso nem perceber a transfobia, sendo cis, mas eu acho abominável se omitir quando tá rolando um preconceito seríssimo, e acho horroroso e cafona se fazer de vítima. Sério, gente, não tem nada pior. Quando você pega justamente a transexualidade do seu oponente como um ponto para atacá-l@, você está agindo como uma criancinha da 2ª série que acha o máximo chamar sua coleguinha de "feia" e a coitada ainda chorava.

É exatamente isso que estão fazendo. Transformando uma oportunidade pra cês aprenderem muita coisa em uma estúpida guerrinha toda pessoal. Mas se vocês não aprenderam, eu aprendi. Eu aprendi muita coisa com isso. Eu aprendi que eu não quero ser como vocês. Eu não quero nunca, na minha vida, agir como vocês. Eu não quero me omitir quando vejo pessoas sendo violentas em um espaço no qual eu posso autorizar a violência acontecer ou não. Eu não quero desvalorizar ou invalidar a identidade ou história de ninguém. Eu não quero nunca agir como uma criancinha imatura reclamando no twitter que "MAMÃE ME CHAMARAM DE CI SCUM!!!!" como vocês fazem. Eu não quero nunca me vitimizar, ainda mais se foi por algo que eu mereci.

Eu aprendi esses dias que feminismo, infelizmente, nem sempre faz alguém ficar melhor. Às vezes, o feminismo só serve de desculpas para esconder preconceitos nojentos dentro de si. E isso é tão triste que eu nem sei por onde começar, que dirá concluir. Apenas... vocês me enojam.

por algum motivo, esse tumblr traduz os meus sentimentos com purpurina e pôneis!

2 comentários:

  1. Eu estou totalmente por fora da treta recente, parece que foi no blog da Lola, confere? Não sei, só sei que já vi esse filme antes, e ver feministas sendo transfóbicas é extremamente decepcionante.

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    1. Sim, Franci, foi no blog de Lola.
      Foi extremamente decepcionante. Pior ainda foi ver a omissão de Lola que preferiu expor todo o grupo do Transfeminismo falando de print screen e bla bla bla do que impedir que a transfobia rolasse solta.

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Se você for amor, tome um chá, sente no sofá, tire uma soneca, fique à vontade que a casa é tua. Se você não for amor, inclusive sendo homofóbico, misógino, transfóbico, racista, etc., eu excluirei sua postagem. Sim, porque aqui é ditadura da minoria e as pessoas que me amam e/ou me lêem não são obrigadas a lerem sua merda. Então pense duas vezes :)